quinta-feira, 2 de maio de 2013

A Taça das Casas

À hora de almoço sentaram-se todos no terreno relvado nas margens do Lago Negro. O sol brilhava com mais intensidade e corria uma brisa fresca. A certa altura, enquanto Lenny se encontrava junto de um frondoso carvalho a admirar o Lago, Harry, Ron, Hermione, Ginny e Neville juntaram-se a ela.
-Vocês estiveram realmente a falar de Voldemort? – perguntou Harry sem rodeios – ou foi só uma desculpa? O Draco arreliou-te?
Lenny mostrou-se algo ressentida.
-Harry, não! O Draco disse a verdade. Ele não é tão idiota quanto todos pensam…
-O que queres dizer com isso? – interveio Ron, coçando o seu cabelo vermelho-alaranjado.
Lenny virou-se para trás e viu Draco com Vincent e Gregory, os seus amigos do peito.
-Que ele não é assim tão mau.
-Não é assim tão mau? Ele foi um Devorador da Morte! – exclamou Harry.
-Por causa dos pais! E Severus Snape também foi, e no entanto esteve sempre do lado de Dumbledore - replicou Lenny.
-Não faço ideia como, mas ele está a dar-te a volta – resmungou Harry.
Aquilo começava a enfurecer Lenny. Eles não percebiam? Não viam que Draco mudara? Ou não queriam ver?
-Eu sei tomar conta de mim.
-Mas ele não é flor que se cheire – apoiou Hermione.
-Já nos fez passar maus bocados a todos – acrescentou Neville. Raios, estavam todos contra ela? Lenny não encontrava maneira de lhes explicar que Draco não era mais esse Draco. Que todos os dias havia uma luta interior dentro dele que o fazia sentir-se um cobarde, uma pessoa má e horrível, pelos feitos e pelas pessoas a que se aliara no passado.
-A Lenny só está a tentar dizer que ele pode estar diferente – declarou Ginny. Lenny suspirou de alívio. Sempre havia alguém do seu lado.
-As pessoas não mudam de um dia para o outro – retrucou Harry. Lenny encolheu os ombros.
-Vocês não percebem. Talvez quando estiverem dispostos a aceitar a mudança. Mas ainda não estão.
-Depois não digas que não te avisámos – Harry parecia realmente preocupado com ela, mas a sua voz apresentava um tom mais alto do que o necessário.
-Deixem-me em paz – pediu Lenny e dito isto afastou-se. Sabia que os amigos tinham ficado ofendidos, mas que podia ela fazer? Eles não compreendiam. Lenny sentou-se à beira do lago e olhou para o seu reflexo. Tinha de admitir que o seu aspeto rebelde era um aspeto Slytherin, mas nos seus olhos azuis não havia maldade. Mas claro, os Slytherin não representavam o Mal, mas sim o poder e a ambição, que, por qualquer motivo, pareciam estar sempre associados às Trevas.
-Lenny – chamou alguém, com uma voz suave. A rapariga virou-se e deu de caras com Ginny, que lhe sorria. Ginny sentou-se a seu lado.
-Eles ficaram chateados? – questionou Lenny. Ginny encolheu os ombros.
-Chateados não é a palavra correta. Estão mais preocupados. Não percebem porque insistes em defender o Malfoy.
-E tu, Ginny? Percebes?
-Desde o primeiro momento em que vi como olhas para ele – assentiu ela. Depois estendeu uma sandes a Lenny – toma. Preparei algumas a mais.
-Obrigada – Lenny aceitou a sandes – é assim tão fácil de perceber?
-Para mim é. Mas para o Harry e para os outros não. Talvez a Luna tenha uma vaga ideia mas… se tu gostas dele, eu não me oponho.
-Só o conheço há três semanas, mas há algo nele que…
-Três semanas ou três anos, o tempo não interessa, Len.
-Obrigada, Ginny. É bom ter alguém que me apoie - disse Lenny, enternecida pelo diminutivo que Ginny lhe arranjara.
-De nada. Sempre às ordens – Ginny levantou-se e preparava-se para se ir embora quando Lenny lhe solicitou:
-Não lhes contes nada, por favor. Por agora não, pelo menos.
-Claro. Fica descansada.
Ginny afastou-se. Lenny voltou a cravar o olhar nas águas paradas. De repente, algo provocou uma movimentação ondulante e a rapariga não teve tempo de sair dali antes que uma sereia de longos cabelos verdes a agarrasse e a fizesse mergulhar com ela na água.
-Lenny! – gritaram várias vozes, mas estas chegavam-lhe abafadas. Lenny não conseguia abrir os olhos, não distinguia a luz da escuridão. Tudo lhe parecia verde, verde e só verde. Verde como os cabelos da sereia que a agarraram. Ou verde como a cor dos Slytherin, ou verde como a luz de Avada Kedavra. Subitamente, duas vozes mais familiares sobrepuseram-se a outras: uma fria e áspera, outra quente e bondosa.
Draco e Harry mergulharam ao mesmo tempo no Lago Negro e cada um agarrou Lenny por um braço. Harry efetuou um feitiço para mandar a sereia para longe e os dois conseguiram trazer Lenny para cima. No entanto, esta não abriu os olhos de imediato. Estes pareciam estar colados com super-cola.
-Dêem-lhe espaço! – gritou alguém. Parecia a voz de Hagrid – ela precisa de respirar!
-Lenny… - sussurrou alguém – Lenny, por favor, acorda…
Draco chamava-a. Lenny tinha de acordar. Tinha de responder ao chamamento… mas a luz verde ofuscava-a cada vez mais, assemelhando-se a uma grande bola verde e brilhante. E depois, de repente, Voldemort apareceu, com os seus lábios a moverem-se para formarem as palavras Avada Kedavra sem no entanto proferir qualquer som. A sua varinha estendia-se na direção dos pais de Lenny, enquanto o feixe de luz verde os atingia. Depois, tudo ficou negro por instantes. Em seguida, uma luz mais clara invadiu-lhe a visão. Era mais pequena, uniforme e redonda, mais límpida, mais esperançosa…
Lenny abriu os olhos abruptamente e o sol cegou-a por momentos. A rapariga ergueu-se com esforço sobre os cotovelos e começou a tossir. Alguém lhe apoiou as costas com a mão enquanto ela cuspia água para o chão.
-Lenny! – a voz de Hagrid fez-se ouvir com mais intensidade – como te sentes?
-Atordoada – respondeu ela em voz sumida – mas acho que estou bem.
-Desculpa ter-te sujeitado a isto – lamentou-se Hagrid, com verdadeira agonia na voz.
-Não te culpes, Hagrid. A irresponsabilidade foi minha por me ter posto assim à beira do Lago. Mas estou melhor, a sério – Hagrid pareceu mais aliviado e Lenny olhou para cima: todos se amontoavam num círculo à sua volta, mas ela procurava unicamente dois rostos. Harry encontrava-se acocorado ao seu lado esquerdo. Lenny estendeu uma mão e deu-lhe uma palmadinha no ombro.
-Desculpa o que te disse há pouco. E obrigada.
-Não tens de quê – sorriu ele. Lenny vagueou então a multidão com o olhar. Draco encontrava-se atrás de si e era ele que lhe apoiara a mão nas costas. Ele e Harry ajudaram-na a levantar-se. Verificou que alguém lhe tirara a sua capa molhada dos Slytherin e que lhe pusera outra, igualmente dos Slytherin. Draco não tinha capa, pelo que devia ter sido ele.
-Obrigada também, Draco – agradeceu a rapariga enquanto Harry desviava o olhar. O primeiro encolheu os ombros.
-Estava a um passo de te fazer respiração boca a boca – alegou, demasiado baixo para alguém ouvir senão ela. Lenny enrubesceu.
-Parece que és como nós – gracejou Ron, alguns momento depois. Lenny sacudiu o cabelo ensopado, confusa – atrais sarilhos em qualquer lado.
-Espero que isso não seja uma coisa má – proferiu Lenny.

-Claro que não! De facto, é uma das melhores coisas que te podem acontecer – afirmou Ron. Todos se riram e nem Draco conseguiu evitar sorrir.

*

Um mês passara desde o incidente no lago. Estava-se a meio de Outubro e as folhas continuavam a cair, pintando o chão em tons vermelhos, castanhos e laranjas. O vento soprava cada vez mais forte, lembrando aos alunos que o verão já lá ia.
Na aula de Encantamentos, Flitwick ensinara-lhes alguns encantamentos novos, como o Silencio, que consistia em pôr o adversário mudo e Braxton não tinha qualquer receio em deixar os alunos concretizar duelos entre si, com o objetivo de treinarem os ataques e as defesas, na aula de Defesa contra as Artes das Trevas.
Em Transfiguração, McGonagall ensinara-lhes como transformar corujas em binóculos de teatro e a duplicar objetos. O professor Binns, de História da Magia, começara agora a falar-lhes sobre as guerras dos Gigantes. A professora Sprout, de Herbologia, ajudara-os a distinguir as plantas medicinais das mortíferas, enquanto que Slughorn, o professor de Poções, lhes demonstrara como fazer uma poção denominada Corrente de Paz, que aliviava a ansiedade e a agitação e ainda como fazer a Poção da Força, que aumentava a força de quem a bebesse. Em Astronomia, Sinistra falou-lhes das Luas de Júpiter e em como uma delas, Europa, estava coberta de gelo. 
Na aula de Cuidados com Criaturas Mágicas, uma das disciplinas que Lenny escolhera opcionalmente, Hagrid fornecera-lhes todas as informações acerca dos Bowtruckles, criaturas que viviam nas árvores. Fizeram até várias aulas práticas com eles, onde Hagrid avaliou a maneira como cada aluno conseguia localizar a criatura, já que era extremamente difícil de encontrar. Nas aulas de Adivinhação, outra das disciplinas por que Lenny optara, Trelawney pusera-os a observar bolas de cristal, beber chás mágicos, ler cartas de Tarô, interpretar astros, entre outras coisas.
A amizade entre Lenny, Hermione, Ron, Harry, Ginny, Luna e Neville consolidara-se e estava cada vez mais forte: Lenny gostava da inteligência e perspicácia de Hermione, do divertimento e atrapalhação de Ron, da determinação e bondade de Harry, da independência e compreensão de Ginny (que continuava a ser a única que sabia que Lenny gostava de Draco), da extravagância e excentricidade de Luna e da calma de Neville e do seu jeito para Herbologia. Porém, nenhum deles (à exceção de Ginny) gostava da repentina e estranha amizade entre Lenny e Draco.
Draco não voltara a ignorar Lenny. Muito pelo contrário, ambos começaram a comunicar melhor um com o outro e a dar-se mais entre si. Agora, sempre que um ou outro professor os juntava a pares, eram dos primeiros a acabar, devido à inteligência de Draco e à sagacidade de Lenny. Pansy continuava a não ir com a cara de Lenny, mas já não lhe ligava tanto.
A avó de Lenny mandava-lhe notícias suas de vez em quando, e Lenny fazia o mesmo. Hedz comportava-se lindamente, entregando sempre as mensagens rapidamente.
Lenny sentia-se felicíssima: Hogwarts tinha sido, em toda a sua vida, o único local onde estivera em que se sentira realmente integrada.
Na quarta-feira da segunda semana de Outubro, Lenny encontrava-se à porta da estufa de Herbologia, sentindo o vento forte na cara. Pomona Sprout pedira-lhes para examinarem as plantas da estufa, de modo a descobrir um vaso que apresentasse as plantas curativas/medicinais de que haviam falado nas aulas. Lenny não tinha mesmo jeito nenhum para aquilo e, na verdade, não prestara grande atenção às aulas.
-Vens ajudar ou não? – perguntou Draco, numa voz rouca e grave, enquanto o seu cabelo branco-alourado lhe caía para os olhos. Lenny olhou para o céu nublado.
-Não sei se consigo ajudar muito. Herbologia não é o meu forte.
-Não olhes para mim, eu também não sou nenhum Longbottom. Mas ao menos tento. A equipa que conseguir encontrar a planta primeiro ganha trinta e cinco pontos. E é isso que interessa.

Lenny lembrou-se então do sistema de pontos, da Taça das Casas e da rivalidade tradicional entre Gryffindor e Slytherin.


A esta altura do campeonato, Gryffindor ia à frente com uma vantagem de 50 pontos, seguidos pelos Slytherin, depois pelos Ravenclaw, com apenas 20 pontos a menos que a equipa liderada por Slughorn e finalmente Hufflepuff, com uma distância de 40 pontos da equipa liderada por Flitwick.
-Ok, pronto. Estou a ir – Lenny deu uma última mirada ao céu e entrou finalmente na estufa. Esta era ampla, grande e bem iluminada, com longos corredores que percorriam todo o espaço cheio de todo o tipo de plantas. Havia ainda um segundo piso, também ele cheio de plantas.



-Como é suposto encontrarmos as plantas curativas no meio disto tudo? – suspirou ela. Observou Neville, que andava de um lado para o outro seguido dos outros Gryffindor. Com ele noutra equipa, não tinham hipóteses.
-Será que posso usar o Accio? – sussurrou Lenny a Draco, referindo-se a um feitiço que permitia encontrar aquilo que o feiticeiro procura ou que precisa de pegar mas não consegue por qualquer motivo. O rapaz sorriu ironicamente.
-És definitivamente Slytherin. Tens uma queda e um desprezo para as regras típico da nossa equipa.
-Eu não sabia que não se podia usá-lo! – defendeu-se Lenny – foi por isso que perguntei.
-Bom, acho que agora sabes a resposta e provavelmente o vaso está protegido com um qualquer contrafeitiço que não permite usar o Accio, senão seria demasiado fácil – Draco afastou-se em direção ao fundo da sala, pois Pansy chamara-o. Lenny tentou não se sentir ciumenta: ela não queria, de forma alguma, interferir na amizade de longa data que existia entre ambos. E Pansy matá-la-ia, caso Lenny se resolvesse a fazê-lo.
A rapariga subiu então as escadas desgastadas até ao segundo piso. A maioria dos alunos encontrava-se no piso debaixo. Ali, as bancadas das plantas, coladas às paredes da estufa, formavam um retângulo, deixando um espaço vazio no meio.
Lenny aproximou-se da primeira bancada. Tudo parecia normal e as plantas semelhantes. Lenny aproximou-se para tocar numa delas, mas esta mexeu-se e arreganhou-lhe uma enorme bocarra com dentes aguçados. Bem que Pomona Sprout lhes podia ter prevenido acerca das plantas carnívoras. Ou talvez o tivesse mencionado, mas Lenny distraía-se demasiado nas suas aulas. A rapariga aproximou-se da segunda bancada. Ali, algo parecia estranho, errado. As plantas estavam excessivamente verdes e excessivamente vivas para aquela época do ano. Lenny podia não ser das melhores pessoas para identificar aquele tipo de situação, mas parecera-lhe ouvir Pomona dizer que aquele era o efeito que as plantas curativas exerciam sobre as mais próximas - tornava-as mais brilhantes e vivas. Por isso, ela tinha de estar ali algures. Lenny semicerrou os olhos, de modo a notar alguma planta um pouco diferente e tentando recordar o aspeto das plantas curativas. Tocou levemente na folhagem de uma delas, mas esta não era carnívora e deixou-se ficar no seu lugar. Lenny vagueou as plantas com as mãos. Colada à parede, coberta pelas folhas grandes das suas colegas, encontrava-se uma pequena planta brilhante colocada num vaso de tijolo vermelho. Era minúscula, mas a luz que irradiava não deixava margens para dúvidas. Havia mais energia ali do que em todas as outras que se encontravam naquele piso.
-Encontrei! – gritou Lenny. Todos se viraram para ela e a professora, que se encontrava junto da porta da estufa, subiu as escadas e aproximou-se dela. Fez um sorriso quando viu a planta que Lenny segurava. Apesar de não ter sido Hufflepuff, a sua equipa, a ganhar, estava contente por Lenny se ter empenhado na sua aula.
-Parabéns, Lenny! Acabaste de ganhar trinca e cinco pontos para os Slytherin!
Os Slytherin romperam em aplausos e assobios. Draco batia palmas efusivamente. Lenny não conseguiu deixar de sentir pena de Neville, que fixava o chão com um olhar desanimado. Mas, caramba! Era sempre bom ganhar pontos para a sua equipa e ajudá-la a conquistar a Taça das Casas. Lenny já ganhara bastantes pontos, pois Braxton presenteava-a sempre que Lenny fazia algo bem, bem como Flitwick e McGonagall. Lenny desceu as escadas de dois em dois. Vários Slytherin felicitaram-na com palmadinhas nas costas e até Pansy lhe disse algo que poderia ser considerado simpático vindo dela:
-Vá lá, talvez não sejas assim tão cabeça de vento e talvez nos venha a valer para alguma coisa.
Draco, tal como Lenny, não era muito de afetos nem de demonstrações carinhosas em público, por isso limitou-se a beliscar-lhe levemente o ombro e a sorrir-lhe daquela forma que só ele conseguia, fazendo-a tremer dos pés à cabeça. 

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