À hora de almoço sentaram-se todos no terreno relvado nas
margens do Lago Negro. O sol brilhava com mais intensidade e corria uma brisa
fresca. A certa altura, enquanto Lenny se encontrava junto de um frondoso
carvalho a admirar o Lago, Harry, Ron, Hermione, Ginny e Neville juntaram-se a
ela.
-Vocês estiveram realmente a
falar de Voldemort? – perguntou Harry sem rodeios – ou foi só uma desculpa? O
Draco arreliou-te?
Lenny mostrou-se algo
ressentida.
-Harry, não! O Draco disse a
verdade. Ele não é tão idiota quanto todos pensam…
-O que queres dizer com isso?
– interveio Ron, coçando o seu cabelo vermelho-alaranjado.
Lenny virou-se para trás e
viu Draco com Vincent e Gregory, os seus amigos do peito.
-Que ele não é assim tão mau.
-Não é assim tão mau? Ele foi
um Devorador da Morte! – exclamou Harry.
-Por causa dos pais! E
Severus Snape também foi, e no entanto esteve sempre do lado de Dumbledore - replicou
Lenny.
-Não faço ideia como, mas ele
está a dar-te a volta – resmungou Harry.
Aquilo começava a enfurecer
Lenny. Eles não percebiam? Não viam que Draco mudara? Ou não queriam ver?
-Eu sei tomar conta de mim.
-Mas ele não é flor que se
cheire – apoiou Hermione.
-Já nos fez passar maus
bocados a todos – acrescentou Neville. Raios, estavam todos contra ela? Lenny
não encontrava maneira de lhes explicar que Draco não era mais esse Draco. Que
todos os dias havia uma luta interior dentro dele que o fazia sentir-se um
cobarde, uma pessoa má e horrível, pelos feitos e pelas pessoas a que se aliara
no passado.
-A Lenny só está a tentar
dizer que ele pode estar diferente – declarou Ginny.
Lenny suspirou de alívio. Sempre havia alguém do seu lado.
-As pessoas não mudam de um
dia para o outro – retrucou Harry. Lenny encolheu os ombros.
-Vocês não percebem. Talvez
quando estiverem dispostos a aceitar a mudança. Mas ainda não estão.
-Depois não digas que não te
avisámos – Harry parecia realmente preocupado com ela, mas a sua voz
apresentava um tom mais alto do que o necessário.
-Deixem-me em paz – pediu
Lenny e dito isto afastou-se. Sabia que os amigos tinham ficado ofendidos, mas
que podia ela fazer? Eles não compreendiam. Lenny sentou-se à beira do lago e
olhou para o seu reflexo. Tinha de admitir que o seu aspeto rebelde era um
aspeto Slytherin, mas nos seus olhos azuis não havia maldade. Mas claro, os
Slytherin não representavam o Mal, mas sim o poder e a ambição, que, por
qualquer motivo, pareciam estar sempre associados às Trevas.
-Lenny – chamou alguém, com
uma voz suave. A rapariga virou-se e deu de caras com Ginny, que lhe sorria.
Ginny sentou-se a seu lado.
-Eles ficaram chateados? –
questionou Lenny. Ginny encolheu os ombros.
-Chateados não é a palavra
correta. Estão mais preocupados. Não percebem porque insistes em defender o
Malfoy.
-E tu, Ginny? Percebes?
-Desde o primeiro momento em
que vi como olhas para ele – assentiu ela. Depois estendeu uma
sandes a Lenny – toma. Preparei algumas a mais.
-Obrigada – Lenny aceitou a
sandes – é assim tão fácil de perceber?
-Para mim é. Mas para o Harry
e para os outros não. Talvez a Luna tenha uma vaga ideia mas… se tu gostas
dele, eu não me oponho.
-Só o conheço há três
semanas, mas há algo nele que…
-Três semanas ou três anos, o
tempo não interessa, Len.
-Obrigada, Ginny. É bom ter
alguém que me apoie - disse Lenny, enternecida pelo diminutivo que Ginny lhe
arranjara.
-De nada. Sempre às ordens –
Ginny levantou-se e preparava-se para se ir embora quando Lenny lhe solicitou:
-Não lhes contes nada, por
favor. Por agora não, pelo menos.
-Claro. Fica descansada.
Ginny afastou-se. Lenny
voltou a cravar o olhar nas águas paradas. De repente, algo provocou uma
movimentação ondulante e a rapariga não teve tempo de sair dali antes que uma
sereia de longos cabelos verdes a agarrasse e a fizesse mergulhar com ela na água.
-Lenny! – gritaram várias
vozes, mas estas chegavam-lhe abafadas. Lenny não conseguia abrir os olhos, não
distinguia a luz da escuridão. Tudo lhe parecia verde, verde e só verde. Verde
como os cabelos da sereia que a agarraram. Ou verde como a cor dos Slytherin,
ou verde como a luz de Avada Kedavra. Subitamente, duas vozes mais familiares
sobrepuseram-se a outras: uma fria e áspera, outra quente e bondosa.
Draco e Harry mergulharam ao
mesmo tempo no Lago Negro e cada um agarrou Lenny por um braço. Harry efetuou
um feitiço para mandar a sereia para longe e os dois conseguiram trazer Lenny
para cima. No entanto, esta não abriu os olhos de imediato. Estes pareciam
estar colados com super-cola.
-Dêem-lhe espaço! – gritou
alguém. Parecia a voz de Hagrid – ela precisa de respirar!
-Lenny… - sussurrou alguém –
Lenny, por favor, acorda…
Draco chamava-a. Lenny tinha
de acordar. Tinha de responder ao chamamento… mas a luz verde ofuscava-a cada
vez mais, assemelhando-se a uma grande bola verde e brilhante. E depois, de
repente, Voldemort apareceu, com os seus lábios a moverem-se para formarem as
palavras Avada Kedavra sem no entanto proferir qualquer som.
A sua varinha estendia-se na direção dos pais de Lenny, enquanto o feixe de luz
verde os atingia. Depois, tudo ficou negro por instantes. Em seguida, uma luz
mais clara invadiu-lhe a visão. Era mais pequena, uniforme e redonda, mais
límpida, mais esperançosa…
Lenny abriu os olhos
abruptamente e o sol cegou-a por momentos. A rapariga ergueu-se com esforço
sobre os cotovelos e começou a tossir. Alguém lhe apoiou as costas com a mão
enquanto ela cuspia água para o chão.
-Lenny! – a voz de Hagrid
fez-se ouvir com mais intensidade – como te sentes?
-Atordoada – respondeu ela em
voz sumida – mas acho que estou bem.
-Desculpa ter-te sujeitado a
isto – lamentou-se Hagrid, com verdadeira agonia na voz.
-Não te culpes, Hagrid. A
irresponsabilidade foi minha por me ter posto assim à beira do Lago. Mas estou
melhor, a sério – Hagrid pareceu mais aliviado e Lenny olhou para cima: todos
se amontoavam num círculo à sua volta, mas ela procurava unicamente dois
rostos. Harry encontrava-se acocorado ao seu lado esquerdo. Lenny estendeu uma
mão e deu-lhe uma palmadinha no ombro.
-Desculpa o que te disse há
pouco. E obrigada.
-Não tens de quê – sorriu
ele. Lenny vagueou então a multidão com o olhar. Draco encontrava-se atrás de
si e era ele que lhe apoiara a mão nas costas. Ele e Harry ajudaram-na a
levantar-se. Verificou que alguém lhe
tirara a sua capa molhada dos Slytherin e que lhe pusera outra, igualmente dos
Slytherin. Draco não tinha capa, pelo que devia ter sido ele.
-Obrigada também, Draco –
agradeceu a rapariga enquanto Harry desviava o olhar. O primeiro encolheu os
ombros.
-Estava a um passo de te
fazer respiração boca a boca – alegou, demasiado baixo para alguém ouvir senão
ela. Lenny enrubesceu.
-Parece que és como nós –
gracejou Ron, alguns momento depois. Lenny sacudiu o cabelo ensopado, confusa –
atrais sarilhos em qualquer lado.
-Espero que isso não seja uma
coisa má – proferiu Lenny.
-Claro que não! De facto, é
uma das melhores coisas que te podem acontecer – afirmou Ron. Todos se riram e
nem Draco conseguiu evitar sorrir.
*
Um mês passara desde o
incidente no lago. Estava-se a meio de Outubro e as folhas continuavam a cair,
pintando o chão em tons vermelhos, castanhos e laranjas. O vento soprava cada
vez mais forte, lembrando aos alunos que o verão já lá ia.
Na aula de Encantamentos,
Flitwick ensinara-lhes alguns encantamentos novos, como o Silencio, que consistia em pôr
o adversário mudo e Braxton não tinha qualquer receio em deixar os alunos
concretizar duelos entre si, com o objetivo de treinarem os ataques e as
defesas, na aula de Defesa contra as Artes das Trevas.
Em Transfiguração, McGonagall
ensinara-lhes como transformar corujas em binóculos de teatro e a duplicar
objetos. O professor Binns, de História da Magia, começara agora a falar-lhes
sobre as guerras dos Gigantes. A professora Sprout, de Herbologia, ajudara-os a
distinguir as plantas medicinais das mortíferas, enquanto que Slughorn, o
professor de Poções, lhes demonstrara como fazer uma poção denominada Corrente de Paz, que
aliviava a ansiedade e a agitação e ainda como fazer a Poção da Força, que aumentava a
força de quem a bebesse. Em
Astronomia, Sinistra falou-lhes das Luas de Júpiter e em como uma delas,
Europa, estava coberta de gelo.
Na aula de Cuidados com
Criaturas Mágicas, uma das disciplinas que Lenny escolhera opcionalmente,
Hagrid fornecera-lhes todas as informações acerca dos Bowtruckles, criaturas que
viviam nas árvores. Fizeram até várias aulas práticas com eles, onde Hagrid
avaliou a maneira como cada aluno conseguia localizar a criatura, já que era
extremamente difícil de encontrar. Nas aulas de Adivinhação, outra das
disciplinas por que Lenny optara, Trelawney pusera-os a observar bolas de
cristal, beber chás mágicos, ler cartas de Tarô, interpretar astros, entre
outras coisas.
A amizade entre Lenny,
Hermione, Ron, Harry, Ginny, Luna e Neville consolidara-se e estava cada vez
mais forte: Lenny gostava da inteligência e perspicácia de Hermione, do
divertimento e atrapalhação de Ron, da determinação e bondade de Harry, da
independência e compreensão de Ginny (que continuava a ser a única que sabia
que Lenny gostava de Draco), da extravagância e excentricidade de Luna e da
calma de Neville e do seu jeito para Herbologia. Porém, nenhum deles (à exceção
de Ginny) gostava da repentina e estranha amizade entre Lenny e Draco.
Draco não voltara a ignorar
Lenny. Muito pelo contrário, ambos começaram a comunicar melhor um com o outro
e a dar-se mais entre si. Agora, sempre que um ou outro professor os juntava a
pares, eram dos primeiros a acabar, devido à inteligência de Draco e à
sagacidade de Lenny. Pansy continuava a não ir com a cara de Lenny, mas já não
lhe ligava tanto.
A avó de Lenny mandava-lhe
notícias suas de vez em quando, e Lenny fazia o mesmo. Hedz comportava-se
lindamente, entregando sempre as mensagens rapidamente.
Lenny sentia-se felicíssima: Hogwarts tinha sido, em toda a
sua vida, o único local onde estivera em que se sentira realmente integrada.
Na quarta-feira da segunda
semana de Outubro, Lenny encontrava-se à porta da estufa de Herbologia,
sentindo o vento forte na cara. Pomona Sprout pedira-lhes para examinarem as
plantas da estufa, de modo a descobrir um vaso que apresentasse as plantas
curativas/medicinais de que haviam falado nas aulas. Lenny não tinha mesmo
jeito nenhum para aquilo e, na verdade, não prestara grande atenção às aulas.
-Vens ajudar ou não? –
perguntou Draco, numa voz rouca e grave, enquanto o seu cabelo branco-alourado
lhe caía para os olhos. Lenny olhou para o céu nublado.
-Não sei se consigo ajudar
muito. Herbologia não é o meu forte.
-Não olhes para mim, eu
também não sou nenhum Longbottom. Mas ao menos tento. A equipa que conseguir
encontrar a planta primeiro ganha trinta e cinco pontos. E é isso que
interessa.
A esta altura do campeonato,
Gryffindor ia à frente com uma vantagem de 50 pontos, seguidos pelos Slytherin,
depois pelos Ravenclaw, com apenas 20 pontos a menos que a equipa liderada por
Slughorn e finalmente Hufflepuff, com uma distância de 40 pontos da equipa
liderada por Flitwick.
-Ok, pronto. Estou a ir – Lenny deu uma última mirada ao
céu e entrou finalmente na estufa. Esta era ampla, grande e bem iluminada, com
longos corredores que percorriam todo o espaço cheio de todo o tipo de plantas.
Havia ainda um segundo piso, também ele cheio de plantas.
-Como é suposto encontrarmos
as plantas curativas no meio disto tudo? – suspirou ela. Observou Neville, que
andava de um lado para o outro seguido dos outros Gryffindor. Com ele noutra
equipa, não tinham hipóteses.
-Será que posso usar o Accio? – sussurrou Lenny a
Draco, referindo-se a um feitiço que permitia encontrar aquilo que o feiticeiro
procura ou que precisa de pegar mas não consegue por qualquer motivo. O rapaz
sorriu ironicamente.
-És definitivamente
Slytherin. Tens uma queda e um desprezo para as regras típico da nossa equipa.
-Eu não sabia que não se
podia usá-lo! – defendeu-se Lenny – foi por isso que perguntei.
-Bom, acho que agora sabes a
resposta e provavelmente o vaso está protegido com um qualquer contrafeitiço
que não permite usar o Accio,
senão seria demasiado fácil – Draco afastou-se em direção ao fundo da sala,
pois Pansy chamara-o. Lenny tentou não se sentir ciumenta: ela não queria, de
forma alguma, interferir na amizade de longa data que existia entre ambos. E
Pansy matá-la-ia, caso Lenny se resolvesse a fazê-lo.
A rapariga subiu então as
escadas desgastadas até ao segundo piso. A maioria dos alunos encontrava-se no
piso debaixo. Ali, as bancadas das plantas, coladas às paredes da estufa,
formavam um retângulo, deixando um espaço vazio no meio.
Lenny aproximou-se da
primeira bancada. Tudo parecia normal e as plantas semelhantes. Lenny
aproximou-se para tocar numa delas, mas esta mexeu-se e arreganhou-lhe uma
enorme bocarra com dentes aguçados. Bem que Pomona Sprout lhes podia ter
prevenido acerca das plantas carnívoras. Ou talvez o tivesse mencionado, mas
Lenny distraía-se demasiado nas suas aulas. A rapariga aproximou-se da segunda
bancada. Ali, algo parecia estranho, errado.
As plantas estavam excessivamente verdes e excessivamente vivas para aquela época do ano.
Lenny podia não ser das melhores pessoas para identificar aquele tipo de
situação, mas parecera-lhe ouvir Pomona dizer que aquele era o efeito que as
plantas curativas exerciam sobre as mais próximas - tornava-as mais brilhantes
e vivas. Por isso, ela tinha de estar ali algures. Lenny semicerrou os olhos,
de modo a notar alguma planta um pouco diferente e tentando recordar o aspeto
das plantas curativas. Tocou levemente na folhagem de uma delas, mas esta não
era carnívora e deixou-se ficar no seu lugar. Lenny vagueou as plantas com as
mãos. Colada à parede, coberta pelas folhas grandes das suas colegas,
encontrava-se uma pequena planta brilhante colocada num vaso de tijolo
vermelho. Era minúscula, mas a luz que irradiava não deixava margens para
dúvidas. Havia mais energia ali do que em todas as outras que se encontravam
naquele piso.
-Encontrei! – gritou Lenny.
Todos se viraram para ela e a professora, que se encontrava junto da porta da
estufa, subiu as escadas e aproximou-se dela. Fez um sorriso quando viu a
planta que Lenny segurava. Apesar de não ter sido Hufflepuff, a sua equipa, a
ganhar, estava contente por Lenny se ter empenhado na sua aula.
-Parabéns, Lenny! Acabaste de
ganhar trinca e cinco pontos para os Slytherin!
Os Slytherin romperam em
aplausos e assobios. Draco batia palmas efusivamente. Lenny não conseguiu
deixar de sentir pena de Neville, que fixava o chão com um olhar desanimado.
Mas, caramba! Era sempre
bom ganhar pontos para a sua equipa e ajudá-la a conquistar a Taça das Casas.
Lenny já ganhara bastantes pontos, pois Braxton presenteava-a sempre que Lenny
fazia algo bem, bem como Flitwick e McGonagall. Lenny desceu as escadas de dois
em dois. Vários Slytherin felicitaram-na com palmadinhas nas costas e até Pansy
lhe disse algo que poderia ser considerado simpático vindo dela:
-Vá lá, talvez não sejas
assim tão cabeça de vento e talvez nos venha a valer para alguma coisa.
Draco, tal como Lenny, não
era muito de afetos nem de demonstrações carinhosas em público, por isso
limitou-se a beliscar-lhe levemente o ombro e a sorrir-lhe daquela forma que só
ele conseguia, fazendo-a tremer dos pés à cabeça.
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