sábado, 21 de dezembro de 2013

Não me abandones

Lenny sentiu o frio a rodeá-la e a enregelar-se no seu corpo; não se conseguia mover. Encontrava-se debaixo de uma água gelada e profunda e os seus ouvidos e nariz estavam cheios de água, impedindo-a de ouvir ou cheirar o que quer que fosse. Tinha os olhos fechados. Depois, quando os abriu a custo, sentiu-se a flutuar… a água era azul e cristalina e era tudo o que via… para quê continuar, se podia ficar ali para sempre, sem se preocupar com nada? Para quê resistir àquela imensidão pura e bela?
Resiste, Lenny… vá lá, tu consegues… por eles… por mim…
Viu-os: as imagens desfocadas a preto e branco dos seus pais na imensidão azul, mas a voz que ouviu não correspondia a nenhum deles. Soava abafada e cansada, mas alerta e preocupada ao mesmo tempo. Era grave e rouca. Draco.
E depois tomou consciência de onde estava, porque estava e de como fora ali parar. Tinha ido em busca dos pais, não podia desistir. Mas era tão fácil e tão tentador… Lenny queria lutar e sair daquele estado de transe, mas ao mesmo tempo não queria…
Por favor, Lenny… resiste… não os deixes… não me abandones, Lenny.
Sentiu os membros do seu corpo a libertarem-se, conseguindo mover-se. A pressão da água nos seus ouvidos aumentou, mas ao mesmo tempo permitiu ouvir-lhe barulhos fora de água. Conseguira. A voz de Draco chamara-a. Resistira à Maldição Imperius, mais uma vez.
Perfurou a superfície da água, respirando a custo. Não havia sinais de ninguém a não ser Draco: estava agarrado a um pedaço de neve não muito longe dali, nadando a custo, o rosto a abrir-se num pequeno sorriso ao vê-la. Não se via superfície alguma sem ser água, nenhum monte de neve onde pudessem parar para descansar. E onde estavam os outros? Lenny continuava gelada, mas obrigou-se a nadar para junto de Draco. Agarrou-se ao pedaço de neve. A mão fria de Draco envolveu a sua.
-Quem me pôs a maldição? – perguntou Lenny.
-Não sei. Não vi ninguém - respondeu Draco com sinceridade.
-Mas chamaste por mim – fez notar Lenny. Draco desviou o olhar e um leve rubor preencheu-lhe as faces. Como Draco não respondeu, Lenny questionou: - onde estão os outros?
-Só te vi a ti, Lenny. Lamento.
Continuaram a avançar por entre as águas, em silêncio. Lenny sentia um nó na garganta; não podia ser verdade que os amigos… por causa dela… ela não conseguiria viver com a culpa. E estava farta. Podiam ter passado apenas duas semanas desde que haviam saído de Hogwarts, mas pareciam dois meses… estava cansada, sonolenta, furiosa e triste.
Subitamente, o rio desembocou não numa foz mas num monte de pedra vazio, rochoso. Não se ouvia um som senão o movimento ondulante do rio. As águas pareciam desaparecer misteriosamente ao chegar ao sítio de pedra. Lenny e Draco não se moveram ao embater na pedra, ensopados e enregelados. Estenderam-se, pois, ao comprido, fechando os olhos. Uma lágrima caiu silenciosamente do olho esquerdo de Lenny, confundindo-se com a água do rio.

*

Lenny não sabia por quanto tempo dormira. Não sabia se tinha dormido sequer; era apenas um emaranhado de acontecimentos e situações assustadoras e terríveis, onde presenciara as mortes dos amigos e dos pais, de Draco, da avó… sentiu-se a abanar e acordou, ofegante, daqueles maldosos pesadelos. Abriu os olhos e viu Draco a seu lado, a comer uma sanduíche. Estendeu-lhe uma.
-Ainda bem que puseste um encantamento à prova de água na tua mala, Lenny – fez ele ver.
-Quanto tempo dormi?
-Mais de dez horas, suponho.
-Que vamos fazer agora? Estamos perdidos! E desculpa-me, Draco, desculpa-me… a culpa é toda minha, eu nunca devia… perdoa-me! – e as lágrimas começaram a escorrer-lhe pela cara sem que pudesse evitar. Draco chegou-se para ela, enxugando as que podia.
-Não chores, Lenny, por favor. A culpa não é tua. Nós tínhamos consciência do que podia vir a acontecer… arriscámo-nos por nossa própria conta e risco, Lenny, não te esqueças disso.
-Mas… - antes que Lenny pudesse continuar, sentiu-se envolvida pelos braços de Draco. Enterrou a cabeça no seu manto agora seco, molhando-o por completo.
-Então, aposto que não tiveram saudades nossas – disse uma voz. Levantaram ambos a cabeça de imediato e Lenny sentiu-se a sonhar. À sua frente, na pedra rochosa, estava Fred, que falara, acompanhado de George, Harry, Hermione, Ginny e Ron. Estavam todos ensopados e fatigados, cheios de cicatrizes, arranhões e cortes ensanguentados. Pareciam que iam cair para o lado a qualquer momento. E Lenny decidiu-se. Tinha que acabar com aquilo de uma vez por todas. Levantou-se e sacou da varinha, segura e presa na sua manga. Apontou-a à parede rochosa. 
-Afastem-se - avisou e depois proferiu - confringo! – a parede rebentou sob o olhar perplexo dos amigos. E Lenny soube, ao olhar em frente, que a sua jornada estava muito perto de chegar ao fim. 


*


Era uma sala estranha e maravilhosa: alta, em forma de abóbada, sem teto nem chão definido. Era apenas uma imensidão de cor, formas e luz: como as imagens num caleidoscópio, mas um caleidoscópio sempre em movimento. Ao centro, uma ampulheta encontrava-se caída no chão. Lenny pegou nela e viu uma mensagem inscrita.
“A única forma de superar o ódio é amando. A única forma de resistir é amando. A única forma de viver é amando. O amor é a magia mais poderosa. Mas por vezes nem ele supera a morte.”



Queria aquela mensagem dizer o que Lenny pensava que dizia? Quereria aquilo dizer que todos aqueles esforços - todos aqueles dias solitários nos túneis, todos aqueles confrontos com os diversos tipos de criaturas mágicas, com os seus maiores medos, com as suas tentações... - teria sido tudo em vão?
Lentamente, todos, excetuando Lenny, caíram no chão, impávidos e serenos. Lenny mal teve tempo de reagir: uma luz verde e potente veio de encontro a ela. Instintivamente, colocou a ampulheta à sua frente, os vidros estilhaçando-se, a areia escorrendo para o chão. Mas não foi só a areia que caiu no chão. As lágrimas verdadeiras e desesperadas de Lenny, mal tocaram o chão cheio de luz e cor daquela sala bizarra, fizeram a situação transformar-se. Das lágrimas reais e sinceras de Lenny formou-se uma poça no chão, como cristais de gelo sob o manto de luz e cor. Depois, uma explosão de cristais de todas as cores e feitios. A última coisa que viu foram os rostos dos pais, sorrindo para ela. Depois caiu com os cristais estrondosamente no chão, fechando os olhos, um último suspiro. 

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