A luz invadiu-lhe a
visão, sem a deixar ver nada. Sentia-se dorida, presa e cansada. Não se
conseguia mexer, não conseguia encontrar a voz, mas sentia o peso do corpo,
combinado com um cheiro que lhe era vagamente familiar: como lavanda e alfazema…
-E se ela não
acordar? – perguntou uma voz, que naquele momento Lenny não conseguiu
identificar – todos os outros já acordaram…
Onde estava Lenny? E
de quem era aquela voz, tão familiar mas indistinguível?
-Não te preocupes.
Ela vai ficar bem, Melanie – disse uma segunda voz, também ela soando
preocupada.
Melanie.
Melanie, Melanie, Melanie.
Melanie…
Melanie…!?
Lenny sentiu a
garganta presa, sufocando-a. Abriu os olhos repentinamente e ergueu-se,
respirando ofegantemente.
-Lenny!
Lenny arregalou os
olhos… não podia… eram… aquilo era... um sonho… Lenny sentia-se demasiado traída
para voltar a cair na ilusão de que à sua frente, são e salvos, estavam mesmo
os seus pais… era uma ilusão, tinha de ser… era um sonho do qual não queria
acordar mas o qual podia a qualquer momento transformar-se num pesadelo…
Os pais
pareceram-lhe mais vivos e nítidos do que em qualquer outra das suas ilusões…
seria por estar tão perto? Depois Lenny olhou em volta… estava na Ala
Hospitalar de Hogwarts! Mas como… a última coisa de que se lembrava era de ver
a cara dos pais e de cair numa fusão de cor e lágrimas, grãos de areia e cristais…
Os pais sentavam-se,
um de cada lado da sua cama branca, numa cadeira. Lenny olhou primeiro para a mãe. Tinha cabelo louro e olhos muito azuis. Depois olhou para o pai,
Michael. Também era louro e os olhos eram azuis-mar. Melanie
pegou-lhe na mão, suavemente. O seu toque fez Lenny despertar daquele estado de
transe… seria mesmo possível…. estariam mesmo eles ali com ela?
-Sim, Lenny. Estamos
aqui – proferiu a mãe, como se lhe tivesse lido a mente. E talvez tivesse,
visto ser uma boa Legilimens. Lenny perguntou-se se já antes a mãe lhe
costumava ler a mente, mas tinha quase a certeza de que Melanie não era pessoa
para se intrometer na cabeça dos outros a não ser que tivesse uma razão muito
forte. E teria ela, tal como Braxton, dificuldade em entrar-lhe na mente devido à
capacidade de Lenny, ainda que inconsciente, de bloquear a Legilimância? –
salvaste-nos.
-Não. Isto é um
sonho… uma ilusão… por favor, não me iludam para depois me desiludir… não me
façam isso… - pediu Lenny, com voz triste.
Melanie e Michael
entreolharam-se, preocupados.
-Lenny, é a verdade.
Isto é a realidade – confirmou Michael, sorrindo-lhe apaziguadoramente.
E então Lenny
debruçou-se sobre eles, abraçando-os com força e suspirando ao ver-se envolvida
em braços fortes e sólidos, reais, a realidade a abater-se sobre ela. Os pais estavam
mesmo ali. Conseguira. Salvara-os.
-Não consigo
acreditar… oh, pais! Tive tantas saudades vossas! – exclamou ela, as lágrimas a teimarem por lhe escorrerem
pela cara. E depois começou a rir-se, um riso puro e genuíno, aliviado, confundido com
soluços. Os pais sorriram e deixaram-na acalmar.
-Também tivemos muitas saudades tuas, Lenny - disseram ambos.
-Como é que vim aqui
parar? Só me lembro de ver as vossas caras e de cair… - comentou Lenny.
-Sim – concordou Melanie
- estávamos contidos nos grãos de areia da ampulheta, sabes? Uma magia
ancestral fez com que nos armazenássemos naquela ampulheta desde a batalha de
Hogwarts… quando aquele raio de luz verde, durante a batalha, veio de encontro
a nós… eu e o teu pai vertemos lágrimas… chorámos pela tua avó, pelos nossos
amigos, mas principalmente por ti, Lenny. Foi o poder do amor que nos salvou. As nossas lágrimas expressaram o nosso amor por ti e foi nos dada uma
segunda oportunidade… e então vimo-nos sugados para dentro da ampulheta, sem
que pudéssemos fazer alguma coisa. A princípio não percebemos o que se passara,
se estávamos mortos ou não. Depois começámos a perceber que não, que ainda
vivíamos e tentámos mandar-te pistas para que viesses à nossa procura. Seria
perigoso, ainda para mais porque não sabíamos que já tinhas poderes – e o sorriso
de Melanie alargou-se num sorriso de orgulho, bem como o de Michael – mas tínhamos de tentar, tínhamos de arriscar. E conseguiste,
Lenny. Conseguiste.
-Então, não foram
vocês que nos puseram todos aqueles desafios à frente? Os túneis, os medos…
-Não, Lenny. Os teus
amigos já acordaram e contaram-nos o que se passou durante a vossa jornada, mas não fomos nós. Tudo o
que fizemos foi ajudar-te a vires de encontro a nós. Temos muito orgulho em ti,
filha – afirmou Michael.
-Onde é que eles
estão? – questionou Lenny de repente – quanto tempo estive adormecida?
-Uma semana –
respondeu a mãe – os primeiros a acordar foram os gémeos, depois Ginny e Ron…
em seguida Hermione e Harry… - depois a sua cara contorceu-se numa expressão estranha, que Lenny não conseguia explicar –
depois Draco…
-Pois, acerca desse
rapaz, minha menina… – começou o pai, mas foi interrompido pelo abrir repentino
das cortinas brancas que os rodeavam. Fred, George, Harry, Ron, Hermione e
Ginny correram para ela.
-Finalmente! – exclamaram,
abraçando-se uns aos outros. Lenny observou-os. Pareciam estar recuperados,
sãos e salvos. Os seus olhos brilhavam, a cor da sua pele voltara e os arranhões curaram-se.
-Acho que é melhor
deixarem a Lenny conversar com os seus pais – sugeriu Madam Pomfrey, a
enfermeira.
-Até já –
despediram-se eles, deixando Lenny e os pais novamente sozinhos, mas não por
muito tempo, pois depressa chegou a avó de Lenny, Christine. Como se dirigiu de
imediato a Lenny, esta calculou que já vira os pais e que já matara as saudades
todas. Christine tinha lágrimas nos olhos.
-Lenny, quem te
mandou ingressares numa jornada perigosa sem me dizeres nada? Quando a professora McGonagall me escreveu a dizer que desapareceras, não sabes a aflição com que fiquei! Vim
de imediato para aqui e aqui tenho estado nas últimas semanas… e depois
ouviu-se um estrondo no átrio principal e só vos vi todos, caídos no chão,
pareciam mortos excetuando a Melanie e o Michael… levaram-vos para a enfermaria
enquanto os teus pais nos explicavam o que se passara, do ponto de vista deles,
mas quando Fred e George acordaram começaram logo a contar o que se passara e o
que tinham enfrentado… e agora já toda a escola e até Hogsmeade sabem o que se
passou. E eu nem conseguia acreditar que tinha a minha filha e o meu genro de
volta mas que a minha netinha se encontrava em mau estado na enfermaria…
estavas cheia de arranhões e cicatrizes, Lenny, nem te conseguia reconhecer… - Christine
começou a chorar ruidosamente e Lenny consolou-a.
-Calma, avó. Está
tudo bem, agora – depois, para aligeirar o ambiente, inquiriu – então, já
puseste a conversa em dia com os meus pais?
-Já sim. Eles também
estiveram a falar com diretora e com os outros professores – disse a avó,
enxugando as lágrimas.
-Ficámos muito
admirados quando ouvimos dizer que foste para os Slytherin. Aliás, quando te
vimos com o manto dos Slytherin. Sempre pensámos que, se alguma vez fosses para
Hogwarts, entrasses nos Gryffindor, como nós, ou nos Ravenclaw ou nos Hufflepuff,
mas nunca nos Slytherin… - disse a mãe. Lenny baixou a cabeça, mas a mãe
tocou-lhe no queixo, fazendo-a levantar-se.
-Mas isso não é motivo
para te envergonhares, filha. Nem todos os Slytherins são maus – sorriu a mãe e
Lenny não pôde evitar lembrar-se de todas as discussões que tivera com os
amigos e com Draco sobre esse assunto. Draco… porque não fora também ele ter
com ela, como os outros tinham feito? Sabia que ele já tinha acordado, mas por
onde andaria?
-Que dia é hoje? –
interpelou ela.
-10 de Fevereiro,
Domingo. Estiveram fora duas semanas e estiveste na enfermaria mais uma semana
– explicou o pai.
-Amanhã já vou às
aulas – declarou Lenny – não quero estar aqui nem mais um minuto. Sinto-me recuperada. E vocês têm
de voltar ao trabalho.
-Não nos queres por
aqui, filha? – indagou a mãe, sorrindo.
-Não é isso, é só
que…
-Nós compreendemos –
riu a mãe – madame Pomfrey, a Lenny pode ir? Já parece estar bem e sei que está
desejosa de ver os amigos.
Madam Pomfrey chegou
e observou Lenny.
-Acho que sim. Caso
te sintas mal, Lenny, vem visitar-me.
-Certo, madame
Pomfrey – afirmou Lenny, levantando-se e esticando as pernas – obrigada.
Os pais e a avó
levantaram-se também. Lenny voltou a abraçá-los.
-Mal posso acreditar
que estão outra vez aqui comigo!
-Nós também… e em
Hogwarts! – sorriu o pai – és uma feiticeira talentosa, Lenny, e não podíamos
estar mais orgulhosos de ti. Agora, por certo queres ir ter com os teus
colegas, não é? Nós também temos de ir falar com a diretora.
-Ok, até já –
despediu-se Lenny, saindo da Ala Hospitalar. Respirou fundo. Fora difícil e
fatigante, mas no fim valera a pena. E agora Lenny reconhecia finalmente o seu
valor. Inspirou fundo, correndo impacientemente para ir ter com os amigos, com
Shy e com Hedz.
Sem comentários:
Enviar um comentário