Hermione
martirizava-se, tudo aquilo fora feito de uma forma muito precipitada, deveriam
ter parado para pensar, ter delineado um plano… e sobretudo distribuir
mantimentos e mantas entre todos, para que não fosse preciso recorrer a
feitiços. Já lhe haviam saído da mala três tupperwares, pelo menos, o que só a
sossegou por saber que os amigos não morreriam à fome.
Instalara-se um
calor insuportável no seu túnel: Hermione depositara a capa do uniforme dos
Gryffindor dentro da sua mala azul, que continuava com o Feitiço de Extensão
Indetetável. Porquanto mais tempo teria de deambular pelo túnel? Tinha dormido
três noites sozinha, com uma manta debaixo dela que lhe provocava calor no
corpo. Havia seis dias que deixara Hogwarts e três que não via os amigos.
No sétimo dia de
viagem, Hermione sentiu-se desesperada: por quanto mais tempo prolongar-se-ia aquilo?
Semanas? Meses? Anos…? Faltava-lhe o ar sempre que pensava nisso.
Sentiu-se tonta e
enjoada, e, lentamente, sem se aperceber, caiu no chão de pedra do túnel e
quando recuperou os sentidos viu-se num sítio completamente
diferente.
Era uma sala de
aula, com várias mesas e cadeiras ordenadas, mas Hermione não a reconheceu como
sendo de Hogwarts, parecia demasiado simples. Era mais parecida com as salas de
aulas dos Muggles, insípida e desguarnecida de retratos em movimento ou avisos
a piscar. Hermione sentava-se numa das cadeiras com nada em cima da mesa,
completamente sozinha. De repente, alguém abriu a porta e um vento frio
enregelou-a. Uma pessoa alta e com mantos pretos percorreu apressadamente a
sala, encostando-se ao quadro preto de ardósia, de frente para Hermione. Esta
suspendeu um esgar de surpresa: a pessoa tinha o rosto deformado e desfocado,
como quando alguém não queria ser identificado e o seu rosto aparecia sem forma.
Trazia uma pasta de couro castanha consigo, que pousou na secretária de madeira
à sua frente. Retirou vários papéis brancos e de aspeto importante, mas
rabiscados com vários riscos vermelhos. A pessoa, que tinha mais forma de homem
que de mulher, deixou cair as folhas na mesa de Hermione com evidente desagrado
e repugnância, como se aquelas folhas fossem algo de malcheiroso e nojento.
Hermione susteu a
respiração e sentiu os olhos molhados. Acabara de chumbar em todos os seus EFBE's.
Em todas as folhas, a tinta vermelha, havia um círculo a rodear um enorme “T” de
“Troll”. Não só não passara, como tivera a pior classificação de entre todas as possíveis.
Mas como era possível
que estivesse ali, a receber os resultados dos seus EFBE’s se nem sequer os
fizera, ainda? Só podia ser um equívoco, um sonho… não, um pesadelo! Que
retratava justamente um dos seus maiores receios… e o rosto sem forma fixava-a,
Hermione quase podia adivinha que por detrás do rosto desfocado havia uma
expressão maldosa, de gozo… um rosto sem forma…
-É isso! – murmurou ela,
para consigo, recuando até a porta. Abriu-a e saiu. Apenas havia um corredor
comprido e branco, sem vida, que se estendia para além de onde Hermione conseguia ver. Apontou a varinha à porta e proclamou:
-Riddikulus!
Acordou com a cabeça
à roda e o corpo dormente no túnel quente e solitário.
*
Harry era, provavelmente, de todos, aquele que melhor compreendia Lenny. Também ele, em tempos, detestara a ideia de colocar os amigos em perigo por sua causa.
Apesar de ainda só ter enfrentado um desafio em concreto (o yeti de pelo branco), sabia que o túnel os punha à prova de maneira indireta. A solidão e a falta de mantimentos eram o suficiente para acabar com eles. Se não se tivessem preparado, estariam feitos. Harry, tal como Ron, lembrara-se do que Hermione lhes dissera sobre a comida, mas ao contrário deste, duplicou-a toda antes de a comer e também transformou uma pedra numa mochila, tal como George fizera.
O oitavo dia no túnel estava a ser o pior: o calor era quase insuportável e o facto de não saber nada dos amigos afligia-o. Sem nada que o distraísse daqueles pensamentos, era fácil entrar em desespero.
Subitamente, o túnel começou a tremer violentamente, atirando Harry de uma parede para a outra. A poeira fê-lo tossir e Harry fechou os olhos automaticamente. Porém, quando os abriu, já que parara de tremer, não se encontrava no túnel.
A luz azulada foi o que lhe saltou primeiro à vista: depois distinguiu os contornos de pessoas com varinhas e uma grande espécie de porta, uma rocha, no centro de uma sala.
Mas não era uma porta, nem uma rocha. Era um véu e, nesse momento, o seu padrinho, Sirius, atravessava-a, a sua última gargalhada cravada no rosto. A dor invadiu-o ao mesmo tempo que questões lhe vinham à cabeça. Porque estava ele novamente no Ministério da Magia, como fizera no seu quinto ano escolar? E porque o obrigavam a reviver a morte do padrinho, que há tão pouco tempo conhecera? Mas, ao contrário do que acontecera uns anos antes, agora, não foi apenas Sirius que caiu pelo véu, desaparecendo. Lentamente, Dumbledore seguiu-se a ele, bem como Olho Louco, Hedwig, Dobby, Snape e depois Hagrid, Lenny, Fred, George, Hermione, Ron, Ginny...
As pessoas à sua volta deixaram de ter importância: aliás, o seu mundo já não fazia sentido, girava apenas, tal como a Terra, automaticamente. Mas de que servia continuar a respirar, a sentir o coração bater-lhe no peito, se todos os que amava passavam lentamente para o outro lado, para a morte, para o vazio... de onde não sairiam mais.
E uma questão desoladora impôs-se na cabeça de Harry: teriam também os amigos chegado àquele lugar e por qualquer motivo, falecido? Não era o facto de poder ser o próximo que o horrorizava, mas sim o facto de já não ter uma razão para viver, já não haver nada que o segurasse à Terra, que segurasse o seu mundo... a gravidade morrera, para si.
Mas apenas Sirius morrera ali, na realidade. Todos os outros haviam morrido de formas diferentes, isto, tirando aqueles que ainda viviam depois da batalha de Hogwarts, que deviam estar a viver naquele momento, não fosse aquele maldito véu... mas o que fazia Hagrid ali? Porque estavam todos a passar pelo véu? E que pessoas eram aquelas que se moviam à sua volta? Harry fez um esforço e semicerrou os olhos. Distinguiu Bellatrix Lestrange, com ar de louca, rindo-se às gargalhadas. Mas como era possível, ela morrera na batalha de Hogwarts, fora Molly, a mãe de Ron e dos outros Weasley, que a matara, Harry vira com os seus próprios olhos...
Algo não estava bem. Nada fazia sentido. No entanto, Harry sabia que o seu maior medo se erguia perante os seus olhos, sem que ele o pudesse evitar, sem que ele pudesse salvar os amigos, lutar por eles... a dor era infinita e destrutiva, Harry sabia que não conseguiria sobreviver. Não que quisesse.
As lágrimas escorriam-lhe pela cara e jatos de luz de cores que, tal era a mágoa, ele não conseguia distinguir, passavam por cima de si e ao seu lado, mas Harry só sentia dor, desespero... medo... o seu maior medo...
E então fez-se luz. Era isso. O medo. No terceiro ano de Harry em Hogwarts, quando estudara os dementors com Lupin, este dissera-lhe que o maior medo de Harry era o próprio medo. Agora, porém, o seu medo era outro... ali estava ele, à sua frente.
Apoiou as mãos nos joelhos, respirando ofegantemente e tentando recompor-se, evitando pensar na dor que o obrigava a dobrar-se. Pousou os dedos na varinha, apontou-a ao véu escuro e bramou:
-Riddikulus!
Foi atirado de um lado para o outro, contudo, em nada bateu. Voltou a tossir com a poeira e quando abriu os olhos, viu-se de volta ao túnel. Sentia-se cansado e ainda atordoado pelo que acabara de presenciar... mas também triunfante. Vencera o próprio medo.
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