segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Conflitos

-Tu – a voz dele era fria e cortante, e recheada de desprezo. Lenny engoliu em seco e sentiu o coração a bater mais depressa.
-Pai – ouviu Draco dizer, aproximando-se deles. Lenny encontrava-se no meio deles, mas naquele momento só lhe apetecia sair dali. Era como os Muggles diziam “O que é bom acaba depressa”. Lenny sentira-se feliz pelo retorno dos pais, e claro que ainda estava imensamente feliz por isso, mas essa felicidade fora posta de lado desde o momento em que ouvira Draco falar acerca dos pais deles. E agora estava frente a frente com Lucius Malfoy.  
-Não. Consigo. Acreditar. Que Foste. Com. Esta. Rapariga. Procurar. Os. Pais. Estúpidos. E. Imundos. Dela – Lucius rangeu os dentes e falou lentamente, mas no segundo seguinte tinha uma varinha de madeira de cerejeira, tamanho de 25 centímetros, pouco flexível, apontada à cara.
-Retire o que disse. Já – exigiu Lenny, sem se preocupar minimamente pelo facto de estar a ameaçar o pai do rapaz que amava. Em sua defesa, ele acabara de insultar os seus pais!
Lucius esboçou um sorriso sarcástico e escarninho.
-E porque haveria?
-Pai, deixa a Lenny de lado. Se me queres dizer alguma coisa, diz-me a mim – pediu Draco. No momento em que os olhos de Lucius incidiram no filho ficaram brilhantes de fúria.
-Tens muito que explicar, meu menino – afirmou, como se estivesse a falar para uma criança pequena. Lenny continuava de varinha apontada à sua cara, mas Lucius parecia não se importar.
-Então, deixa a Lenny ir-se embora - repetiu Draco.
-Porquê, ela é covarde? – inquiriu Lucius, os olhos de novo fixos em Lenny. O seu sorriso maquiavélico voltou a tomar-lhe o rosto.
-Não fui eu que abandonei a guerra assim que Voldemort foi destruído – acusou Lenny, com rancor. Ela não queria dizer aquilo para magoar Draco, mas ao mesmo tempo queria dizê-lo por amor e lealdade aos pais e por raiva a Lucius.
-Pois, tu nem sequer apareceste – ripostou Lucius.
-Mais vale tarde que nunca – disse Lenny, a varinha firmemente segura na sua mão.
-Já chega! – exclamou Draco. Lenny sabia que apenas Pansy, Gregory e Vincent estavam na sala comum além deles, mas nenhum deles parecia estar lá, pois não se ouviam.
-Sim, concordo – alegou Lenny, baixando a varinha – já perdi demasiado tempo – e passou por Lucius, saindo das masmorras. Não sabia o que se passava; porque não ficara para defender e ajudar Draco. Mas talvez este não precisasse ou não quisesse ajuda e Lenny não se devia meter entre pai e filho. “Ele tem a Pansy para o defender, se quiser”, pensou ela, amargurada.
Lenny pensou ir até às margens do Lago Negro para pensar e espairecer, porém não o pôde fazer pois avistou o pai a falar com o professor Braxton. Lenny arregalou os olhos… quando fora a Hogsmeade, o amigo de infância dos pais, Carl Jonathan, dissera-lhe que o pai até se dava com Braxton… mas Lenny nunca esperara encontrar os dois a conversar…  afinal, Braxton fora um Slytherin e o pai era um Gryffindor... e no entanto ali estava a prova, mesmo à sua frente. Vários outros alunos olhavam também para eles, espantados. Lenny não queria nada ir ter com eles; apesar de ser dos Slytherin, Braxton ainda a intimidava um bocado. Por sorte, o seu pai e o professor despediram-se um do outro pouco tempo depois, Braxton subindo a escadaria da entrada e Michael indo ter com Lenny.
-Então és amigo do Braxton – afirmou Lenny.
-É um exemplo de um bom Slytherin - respondeu o pai.
-Os Slytherins também sabem ser corajosos e bons – defendeu Lenny. Michael sorriu-lhe.
-Eu sei. Então, já conversaste com todos os teus amigos?
-Sim. Onde está a mãe?
-Foi com a tua avó avisar a diretora que vamos a Hogsmeade. Queres vir connosco? Vamos daqui a pouco.
A recordação da bonita Anastacia, meia veela, filha de Carl, trespassou-lhe a mente.
-Não… mas diz ao Carl que mando cumprimentos – na menção de Carl, Lenny lembrou-se de outra coisa. Deitou a mãe ao bolso do manto e retirou de lá o colar que Carl lhe dera em Hogsmeade, um com uma ampulheta com areia laranja e roxa – ele deu-me isto quando lá fui… disse-me que a mãe lhe dera isto para me dar a mim. Mas não sei o que é ou para que serve.
Michael abriu a boca para responder, mas foi interrompido por uma voz já familiar a Lenny.
-Ora, ora… olha quem aqui está – Lenny virou-se para ver Lucius encará-los, com Draco ao lado e uma senhora de cabelo branco e preto e olhos pretos ao lado. Lenny calculou que fosse Narcissa Malfoy, a mãe de Draco. Parecia ser um pouco mais amável que Lucius, uma vez que salvara Harry ao dizer a Voldemort que este estava morto na Floresta Proibida durante a batalha de Hogwarts, mas também, com a sua posse altiva, não era pessoa de faltar ao respeito.

Narcissa Malfoy

-Lucius – cumprimentou Michael, com voz enfadonha e avançando um passo para ficar lado a lado com a filha. Os olhos de Draco observaram-no durante um momento e depois fixaram-se nos de Lenny. A sua expressão era indescritível.
-Aposto que não ficaste muito contente ao perceber que a tua querida filha, após tanto tempo sendo cepa-torta, fosse entrar nos Slytherin – sorriu Lucius e Lenny cerrou os punhos. Como podia Draco não se ter comportado de forma tão arrogante e má nos últimos anos se o único exemplo que tinha era o seu pai, este tão maléfico e frio?
Vários alunos estavam novamente a olhar para aquela cena. Uns cochichavam, outros arregalavam os olhos e alguns deles tinham as mãos nos mantos, como se estivessem prontos a sacar das suas varinhas a qualquer momento, caso houvesse uma luta e as coisas dessem para o torto.
-E eu aposto em como não conseguiste suportar o facto de a minha querida filha ultrapassar o teu querido filho em quase todas as disciplinas – argumentou Michael e Lenny sentiu-se sufocar. Isso não era bem verdade… Draco era definitivamente melhor que ela a Poções e a todas as disciplinas teóricas… além de voar melhor…
-E como é que sabes isso se só estás com ela há poucos dias desde que misteriosamente ganhou poderes? – contrapôs Lucius.
-A diretora contou-me – retorquiu Michael e Lenny não tinha a certeza se era boa ideia mencionar o nome de Minerva McGonagall naquelas circunstâncias, nem se era realmente verdade o que o pai dizia.
-Boa desculpa – riu Lucius e depois olhou para Draco – mas ainda não consegui perceber como é que o meu filho foi com a vossa filha, aquele irritante do Potter, uma sangue de lama e os pobres dos Weasleys procurar-vos…
Lenny cerrou os dentes. Ele não tinha o direito de falar assim dos seus amigos!
-Eu também não compreendo isso, mas prefiro que respeites os amigos da minha filha – Michael semicerrou os olhos, fixando-os em Draco. Lenny sentiu um arrepio na espinha à medida que tanto o pai, como Lucius e Narcissa olhavam ora para Lenny ora para Draco.
-A tua filha decidiu levar um colega Slytherin para lhe fazer companhia, foi? – desdenhou Lucius e Lenny odiou a forma como Lucius falava dela como se ela não estivesse ali. Não podia ele perguntar-lhe diretamente a ela?
-Se assim fosse teria levado um melhor, não é? – irritou-se Michael. Com este comentário, Draco desviou os olhos dos de Lenny e esta não precisou de Legilimância para perceber o que Draco estava a pensar… “sabia que não te merecia, Lenny, que eras melhor do que eu valia…”.
-Como te atreves…? – enfureceu-se Lucius, mas Narcissa agarrou-lhe no manto, sussurrando-lhe algo ao ouvido.
-Diz-me que não é verdade, Lucius... sendo filho de um sacana como tu… - continuou Michael.
-Pai! – gritou Lenny, não querendo saber da figura que podia estar a fazer em frente aos seus colegas. Porque estava o pai a falar assim para Lucius? E a falar assim de Draco? Sabia que era assim que a maioria das pessoas da escola pensava, menos os Slytherin, mas… doía-lhe saber que era assim que o pai pensava de Draco.
-Que é? – questionou ele, olhando brevemente para a filha. Lenny hesitou. Agora era o momento certo de dizer a ambas as famílias o que Lenny e Draco sentiam um pelo outro… mas não conseguiu. Nem Draco. Em vez disso, optou pela via mais fiável.
-Estás a fazer uma cena em frente a toda a gente! – murmurou ela – para com isso, parecem dois adolescentes às turras.
Michael suspirou.
-Está bem, mas porque não podem simplesmente explicar porque é que ele foi contigo procurar-nos?
Lenny não sabia como os seus pais e os pais de Draco ainda não tinham percebido a verdade ou como ainda ninguém lhes tinha dito nada e isso deixava-a enervada e nervosa, mas queria dizer a verdade num local sossegado e não com um montão de gente a assistir como se fosse um filme.
-Fui com ela porque… - disse Draco antes que Lenny pudesse responder e todos os olhares se cravaram nele – porque não tive escolha.
Lenny sentiu um baque no coração. De que raio estava ele a falar? Estaria ele a mentir para os encobrir ou estaria mesmo a confessar o que lhe ia na cabeça? E se fosse esse o caso… Draco afirmara que tinham ido todos porque queriam, por isso que estava ele a dizer?
-Não tive escolha porque… - Draco olhou para Lenny e rapidamente desviou o olhar – porque, cusco como sou, vi a Lenny e os outros a embrenharem-se na Florestas Proibida e fui atrás deles. Depois uns pássaros atacaram-nos e eu já não pude voltar para trás.
Não era a desculpa mais credível de sempre e Lenny não sabia se coincidia ou não com a versão que os gémeos haviam dito a toda a gente, mas quem conhecesse Draco minimamente sabia que ele era pessoa para incomodar os outros. De qualquer forma, os gémeos provavelmente só começaram a contar a jornada a partir da altura em que se encontravam na Floresta, o que fazia os factos coincidirem.
-E pronto, é tudo - finalizou.
-Porque não disseram antes? – grunhiu Lucius.
-Não nos deram oportunidade! – exclamou Lenny, rezando para que ninguém tivesse a excelente ideia de os denunciar e de dizer que a única razão porque Draco fora com Lenny era porque gostavam um do outro – estão constantemente a implicar!
Passado algum tempo de silêncio, Michael assentiu levemente com a cabeça.
-Está bem, então – suspirou ele, lançando um último olhar à família Malfoy e perfurando entre a multidão. Lenny não se atreveu a olhar Draco uma última vez e apressou-se a seguir o pai antes que alguém os pudesse denunciar ou provocasse mais conflitos. 

domingo, 22 de dezembro de 2013

Queda

Lenny encontrou Harry, Hermione, Ron, Ginny, Fred e George no átrio principal, rodeados de alguns Gryffindors, entre eles Neville, e Luna, dos Ravenclaw. Lenny tinha acordado às três da tarde e agora passava pouco tempo das quatro. O clima estava frio, mas não chovia.
-Lenny! – exclamaram Neville e Luna.
-Olá – sorriu ela, contente por vê-los.
-Não acredito que não nos incluíram na vossa aventura – disse Luna, mas não parecia verdadeiramente chateada, apenas… aborrecida. Lenny sentiu-se embaraçada.
-Não queríamos prejudicar mais ninguém – socorreu Hermione – e foi um bocado difícil esconder o plano do Fred e do George, pelo que tivemos de incluí-los.
Fred e George fizeram cara de ofendidos, mas estavam apenas a brincar.
-Desculpem – lamentou-se Lenny.
-Não faz mal. Nós compreendemos – tranquilizou Neville com um sorriso verdadeiro.
Lenny avistou Daphne não muito longe dali, acompanhada de Adrian Pucey, Blaise Zabini e Millicent Bulstrode. Depois de falar mais um pouco sobre a sua jornada com os seus amigos Gryffindor e Luna, foi ter com os seus colegas Slytherin.
-Lenny! – cumprimentaram eles.
-Que jornada que tiveste, hem? – sorriu Adrian.
-Estás melhor? – perguntou Daphne.
-Sim, obrigada. E desculpa por te ter encarregado de tratares da Hedz e do Shy – disse Lenny.
-Não faz mal – sorriu Daphne – até foi divertido.
-Sabem onde está o Draco? Ainda não o vi desde que acordei – alegou Lenny.
-A última vez que o vimos estava junto da Pansy, do Gregory e do Vincent – referiu Blaise. Lenny não conseguiu evitar sentir-se desapontada. Já tinha corrido por toda a escola que Lenny acordara. A novidade ainda não teria chegado aos ouvidos de Draco ou não se importaria ele o suficiente para a ir procurar? Lenny abanou a cabeça. Depois de tudo o que ele fizera por Lenny, esta não podia deixar as suas inseguranças vencer.
-Obrigada – agradeceu Lenny - vou procurá-lo. Se o virem digam-lhe que ando à procura dele.
-O Shy e a Hedz estão no dormitório, Lenny – informou Daphne, quando Lenny se afastou.
Lenny adorava estar de novo em Hogwarts, a sua segunda casa, a conviver com os amigos, mas sentia-se insegura relativamente à atitude de Draco. Como ele não estava na sala comum dos Slytherin, Lenny aproveitou para ver Hedz e Shy, cada um cuidadosamente tratados e empoleirados nas suas gaiolas, junto à janela do dormitório onde Lenny, Daphne e mais três raparigas dormiam. Hedz beliscou-lhe os dedos, castigando-a por se ter ido embora e Shy rebolou pelo seu ombro, as bochechinhas a ficarem vermelhas. Lenny fez-lhes festas e alimentou-os. Constatou que os pertences que estavam na sua mala que levara pela jornada estavam arrumados. Pegou na sua varinha e quando estava a sair do dormitório ouviu a voz de Draco, provocando-lhe um aperto no coração.
-Espero que esteja bem.
-Não a vais ver, Draco? – indagou outra voz, que Lenny reconheceu como pertencendo a Pansy.
-Já te disse que não posso – afirmou Draco e Lenny franziu o sobrolho – não enquanto os pais dela e os meus estiverem por perto.
Lenny engoliu em seco. Os pais de Draco estavam em Hogwarts? Se bem que era natural, depois de tudo o que acontecera… sabia que Molly e Arthur Weasley também tinham lá ido durante a semana ver os seus filhos. Os pais de Hermione não tinham ido pois não sabiam de nada, uma vez que a professora McGonagall preferira não alertá-los. Lenny podia adivinhar que a reação de Lucius Malfoy não seria bonita quando soubesse que Draco arriscara a vida por Lenny.
-Como é que o teu pai reagiu ao saber o que fizeste? – perguntou uma terceira voz, que devia pertencer a Vincent Crabbe ou a Gregory Goyle.
-Como é que achas? – replicou Draco – mal, é claro. Anda desvairado à minha procura e a minha mãe e a McGonagall tiveram de o acalmar.
-Mas tens de ir ter com ele – fez Pansy ver. Lenny sabia que não devia estar a espiá-los, mas a curiosidade era demasiado grande.
-Eu sei, mas já sei o que me vão dizer. Até me podem tirar de Hogwarts e pôr-me em Durmstrang ou assim – a voz de Draco parecia monótona e aborrecida e Lenny susteu a respiração. Eles não podiam tirar Draco de Hogwarts! Subitamente, Lenny tropeçou no manto, escorregou para a frente, escancarou a porta do seu dormitório e caiu pelas escadas abaixo até se estatelar no chão alcatifado da sala comum dos Slytherin. Vincent, Gregory e Pansy começaram a rir-se, mas os dois primeiros calaram-se ao ver a expressão de Draco. Pansy esboçou um meio sorriso.
-A espiar as conversas dos outros, Lenny? – perguntou, desdenhosamente.
-Estás bem, Lenny? – questionou Draco, para grande fúria e descontentamento de Pansy. Lenny apenas se sentia atordoada da queda, mas estava bem. Tinha enfrentado coisas muito piores nos últimos tempos.
-Sim, eu…
-Ah-ah, então estavas a espiar! – riu Pansy.
-Não, eu não te estava a responder a ti, Pansy! – argumentou Lenny, esperando não começar a corar.
-Vou fingir que acredito – anuiu Pansy. Lenny levantou-se, rejeitando a ajuda de Draco.
-Bom, vou deixar-vos conversar à vontade – declarou ela, caminhando na direção da saída.
-Espera - pediu Draco. Lenny reparou que Pansy revirou os olhos – estás mesmo bem?
-Estou bem – respondeu Lenny num tom flácido, abrindo a porta de saída. Mas ao fazê-lo os seus olhos incidiram na única pessoa que não queria por nada ver.
Lucius Malfoy. 

Saudades

A luz invadiu-lhe a visão, sem a deixar ver nada. Sentia-se dorida, presa e cansada. Não se conseguia mexer, não conseguia encontrar a voz, mas sentia o peso do corpo, combinado com um cheiro que lhe era vagamente familiar: como lavanda e alfazema…
-E se ela não acordar? – perguntou uma voz, que naquele momento Lenny não conseguiu identificar – todos os outros já acordaram…
Onde estava Lenny? E de quem era aquela voz, tão familiar mas indistinguível?
-Não te preocupes. Ela vai ficar bem, Melanie – disse uma segunda voz, também ela soando preocupada.
Melanie.
Melanie, Melanie, Melanie.
Melanie…
Melanie…!?
Lenny sentiu a garganta presa, sufocando-a. Abriu os olhos repentinamente e ergueu-se, respirando ofegantemente.
-Lenny!
Lenny arregalou os olhos… não podia… eram… aquilo era... um sonho… Lenny sentia-se demasiado traída para voltar a cair na ilusão de que à sua frente, são e salvos, estavam mesmo os seus pais… era uma ilusão, tinha de ser… era um sonho do qual não queria acordar mas o qual podia a qualquer momento transformar-se num pesadelo…
Os pais pareceram-lhe mais vivos e nítidos do que em qualquer outra das suas ilusões… seria por estar tão perto? Depois Lenny olhou em volta… estava na Ala Hospitalar de Hogwarts! Mas como… a última coisa de que se lembrava era de ver a cara dos pais e de cair numa fusão de cor e lágrimas, grãos de areia e cristais…
Os pais sentavam-se, um de cada lado da sua cama branca, numa cadeira. Lenny olhou primeiro para a mãe. Tinha cabelo louro e olhos muito azuis. Depois olhou para o pai, Michael. Também era louro e os olhos eram azuis-mar. Melanie pegou-lhe na mão, suavemente. O seu toque fez Lenny despertar daquele estado de transe… seria mesmo possível…. estariam mesmo eles ali com ela?
-Sim, Lenny. Estamos aqui – proferiu a mãe, como se lhe tivesse lido a mente. E talvez tivesse, visto ser uma boa Legilimens. Lenny perguntou-se se já antes a mãe lhe costumava ler a mente, mas tinha quase a certeza de que Melanie não era pessoa para se intrometer na cabeça dos outros a não ser que tivesse uma razão muito forte. E teria ela, tal como Braxton, dificuldade em entrar-lhe na mente devido à capacidade de Lenny, ainda que inconsciente, de bloquear a Legilimância? – salvaste-nos.
-Não. Isto é um sonho… uma ilusão… por favor, não me iludam para depois me desiludir… não me façam isso… - pediu Lenny, com voz triste.
Melanie e Michael entreolharam-se, preocupados.
-Lenny, é a verdade. Isto é a realidade – confirmou Michael, sorrindo-lhe apaziguadoramente.
E então Lenny debruçou-se sobre eles, abraçando-os com força e suspirando ao ver-se envolvida em braços fortes e sólidos, reais, a realidade a abater-se sobre ela. Os pais estavam mesmo ali. Conseguira. Salvara-os.
-Não consigo acreditar… oh, pais! Tive tantas saudades vossas! – exclamou ela, as lágrimas a teimarem por lhe escorrerem pela cara. E depois começou a rir-se, um riso puro e genuíno, aliviado, confundido com soluços. Os pais sorriram e deixaram-na acalmar.
-Também tivemos muitas saudades tuas, Lenny - disseram ambos.
-Como é que vim aqui parar? Só me lembro de ver as vossas caras e de cair… - comentou Lenny.
-Sim – concordou Melanie - estávamos contidos nos grãos de areia da ampulheta, sabes? Uma magia ancestral fez com que nos armazenássemos naquela ampulheta desde a batalha de Hogwarts… quando aquele raio de luz verde, durante a batalha, veio de encontro a nós… eu e o teu pai vertemos lágrimas… chorámos pela tua avó, pelos nossos amigos, mas principalmente por ti, Lenny. Foi o poder do amor que nos salvou. As nossas lágrimas expressaram o nosso amor por ti e foi nos dada uma segunda oportunidade… e então vimo-nos sugados para dentro da ampulheta, sem que pudéssemos fazer alguma coisa. A princípio não percebemos o que se passara, se estávamos mortos ou não. Depois começámos a perceber que não, que ainda vivíamos e tentámos mandar-te pistas para que viesses à nossa procura. Seria perigoso, ainda para mais porque não sabíamos que já tinhas poderes – e o sorriso de Melanie alargou-se num sorriso de orgulho, bem como o de Michael – mas tínhamos de tentar, tínhamos de arriscar. E conseguiste, Lenny. Conseguiste.
-Então, não foram vocês que nos puseram todos aqueles desafios à frente? Os túneis, os medos…
-Não, Lenny. Os teus amigos já acordaram e contaram-nos o que se passou durante a vossa jornada, mas não fomos nós. Tudo o que fizemos foi ajudar-te a vires de encontro a nós. Temos muito orgulho em ti, filha – afirmou Michael.
-Onde é que eles estão? – questionou Lenny de repente – quanto tempo estive adormecida?
-Uma semana – respondeu a mãe – os primeiros a acordar foram os gémeos, depois Ginny e Ron… em seguida Hermione e Harry… - depois a sua cara contorceu-se numa expressão estranha, que Lenny não conseguia explicar – depois Draco…
-Pois, acerca desse rapaz, minha menina… – começou o pai, mas foi interrompido pelo abrir repentino das cortinas brancas que os rodeavam. Fred, George, Harry, Ron, Hermione e Ginny correram para ela.
-Finalmente! – exclamaram, abraçando-se uns aos outros. Lenny observou-os. Pareciam estar recuperados, sãos e salvos. Os seus olhos brilhavam, a cor da sua pele voltara e os arranhões curaram-se.
-Acho que é melhor deixarem a Lenny conversar com os seus pais – sugeriu Madam Pomfrey, a enfermeira.
-Até já – despediram-se eles, deixando Lenny e os pais novamente sozinhos, mas não por muito tempo, pois depressa chegou a avó de Lenny, Christine. Como se dirigiu de imediato a Lenny, esta calculou que já vira os pais e que já matara as saudades todas. Christine tinha lágrimas nos olhos.
-Lenny, quem te mandou ingressares numa jornada perigosa sem me dizeres nada? Quando a professora McGonagall me escreveu a dizer que desapareceras, não sabes a aflição com que fiquei! Vim de imediato para aqui e aqui tenho estado nas últimas semanas… e depois ouviu-se um estrondo no átrio principal e só vos vi todos, caídos no chão, pareciam mortos excetuando a Melanie e o Michael… levaram-vos para a enfermaria enquanto os teus pais nos explicavam o que se passara, do ponto de vista deles, mas quando Fred e George acordaram começaram logo a contar o que se passara e o que tinham enfrentado… e agora já toda a escola e até Hogsmeade sabem o que se passou. E eu nem conseguia acreditar que tinha a minha filha e o meu genro de volta mas que a minha netinha se encontrava em mau estado na enfermaria… estavas cheia de arranhões e cicatrizes, Lenny, nem te conseguia reconhecer… - Christine começou a chorar ruidosamente e Lenny consolou-a.
-Calma, avó. Está tudo bem, agora – depois, para aligeirar o ambiente, inquiriu – então, já puseste a conversa em dia com os meus pais?
-Já sim. Eles também estiveram a falar com diretora e com os outros professores – disse a avó, enxugando as lágrimas.
-Ficámos muito admirados quando ouvimos dizer que foste para os Slytherin. Aliás, quando te vimos com o manto dos Slytherin. Sempre pensámos que, se alguma vez fosses para Hogwarts, entrasses nos Gryffindor, como nós, ou nos Ravenclaw ou nos Hufflepuff, mas nunca nos Slytherin… - disse a mãe. Lenny baixou a cabeça, mas a mãe tocou-lhe no queixo, fazendo-a levantar-se.
-Mas isso não é motivo para te envergonhares, filha. Nem todos os Slytherins são maus – sorriu a mãe e Lenny não pôde evitar lembrar-se de todas as discussões que tivera com os amigos e com Draco sobre esse assunto. Draco… porque não fora também ele ter com ela, como os outros tinham feito? Sabia que ele já tinha acordado, mas por onde andaria?
-Que dia é hoje? – interpelou ela.
-10 de Fevereiro, Domingo. Estiveram fora duas semanas e estiveste na enfermaria mais uma semana – explicou o pai.
-Amanhã já vou às aulas – declarou Lenny – não quero estar aqui nem mais um minuto. Sinto-me recuperada. E vocês têm de voltar ao trabalho.
-Não nos queres por aqui, filha? – indagou a mãe, sorrindo.
-Não é isso, é só que…
-Nós compreendemos – riu a mãe – madame Pomfrey, a Lenny pode ir? Já parece estar bem e sei que está desejosa de ver os amigos.
Madam Pomfrey chegou e observou Lenny.
-Acho que sim. Caso te sintas mal, Lenny, vem visitar-me.
-Certo, madame Pomfrey – afirmou Lenny, levantando-se e esticando as pernas – obrigada.
Os pais e a avó levantaram-se também. Lenny voltou a abraçá-los.
-Mal posso acreditar que estão outra vez aqui comigo!
-Nós também… e em Hogwarts! – sorriu o pai – és uma feiticeira talentosa, Lenny, e não podíamos estar mais orgulhosos de ti. Agora, por certo queres ir ter com os teus colegas, não é? Nós também temos de ir falar com a diretora.
-Ok, até já – despediu-se Lenny, saindo da Ala Hospitalar. Respirou fundo. Fora difícil e fatigante, mas no fim valera a pena. E agora Lenny reconhecia finalmente o seu valor. Inspirou fundo, correndo impacientemente para ir ter com os amigos, com Shy e com Hedz.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Não me abandones

Lenny sentiu o frio a rodeá-la e a enregelar-se no seu corpo; não se conseguia mover. Encontrava-se debaixo de uma água gelada e profunda e os seus ouvidos e nariz estavam cheios de água, impedindo-a de ouvir ou cheirar o que quer que fosse. Tinha os olhos fechados. Depois, quando os abriu a custo, sentiu-se a flutuar… a água era azul e cristalina e era tudo o que via… para quê continuar, se podia ficar ali para sempre, sem se preocupar com nada? Para quê resistir àquela imensidão pura e bela?
Resiste, Lenny… vá lá, tu consegues… por eles… por mim…
Viu-os: as imagens desfocadas a preto e branco dos seus pais na imensidão azul, mas a voz que ouviu não correspondia a nenhum deles. Soava abafada e cansada, mas alerta e preocupada ao mesmo tempo. Era grave e rouca. Draco.
E depois tomou consciência de onde estava, porque estava e de como fora ali parar. Tinha ido em busca dos pais, não podia desistir. Mas era tão fácil e tão tentador… Lenny queria lutar e sair daquele estado de transe, mas ao mesmo tempo não queria…
Por favor, Lenny… resiste… não os deixes… não me abandones, Lenny.
Sentiu os membros do seu corpo a libertarem-se, conseguindo mover-se. A pressão da água nos seus ouvidos aumentou, mas ao mesmo tempo permitiu ouvir-lhe barulhos fora de água. Conseguira. A voz de Draco chamara-a. Resistira à Maldição Imperius, mais uma vez.
Perfurou a superfície da água, respirando a custo. Não havia sinais de ninguém a não ser Draco: estava agarrado a um pedaço de neve não muito longe dali, nadando a custo, o rosto a abrir-se num pequeno sorriso ao vê-la. Não se via superfície alguma sem ser água, nenhum monte de neve onde pudessem parar para descansar. E onde estavam os outros? Lenny continuava gelada, mas obrigou-se a nadar para junto de Draco. Agarrou-se ao pedaço de neve. A mão fria de Draco envolveu a sua.
-Quem me pôs a maldição? – perguntou Lenny.
-Não sei. Não vi ninguém - respondeu Draco com sinceridade.
-Mas chamaste por mim – fez notar Lenny. Draco desviou o olhar e um leve rubor preencheu-lhe as faces. Como Draco não respondeu, Lenny questionou: - onde estão os outros?
-Só te vi a ti, Lenny. Lamento.
Continuaram a avançar por entre as águas, em silêncio. Lenny sentia um nó na garganta; não podia ser verdade que os amigos… por causa dela… ela não conseguiria viver com a culpa. E estava farta. Podiam ter passado apenas duas semanas desde que haviam saído de Hogwarts, mas pareciam dois meses… estava cansada, sonolenta, furiosa e triste.
Subitamente, o rio desembocou não numa foz mas num monte de pedra vazio, rochoso. Não se ouvia um som senão o movimento ondulante do rio. As águas pareciam desaparecer misteriosamente ao chegar ao sítio de pedra. Lenny e Draco não se moveram ao embater na pedra, ensopados e enregelados. Estenderam-se, pois, ao comprido, fechando os olhos. Uma lágrima caiu silenciosamente do olho esquerdo de Lenny, confundindo-se com a água do rio.

*

Lenny não sabia por quanto tempo dormira. Não sabia se tinha dormido sequer; era apenas um emaranhado de acontecimentos e situações assustadoras e terríveis, onde presenciara as mortes dos amigos e dos pais, de Draco, da avó… sentiu-se a abanar e acordou, ofegante, daqueles maldosos pesadelos. Abriu os olhos e viu Draco a seu lado, a comer uma sanduíche. Estendeu-lhe uma.
-Ainda bem que puseste um encantamento à prova de água na tua mala, Lenny – fez ele ver.
-Quanto tempo dormi?
-Mais de dez horas, suponho.
-Que vamos fazer agora? Estamos perdidos! E desculpa-me, Draco, desculpa-me… a culpa é toda minha, eu nunca devia… perdoa-me! – e as lágrimas começaram a escorrer-lhe pela cara sem que pudesse evitar. Draco chegou-se para ela, enxugando as que podia.
-Não chores, Lenny, por favor. A culpa não é tua. Nós tínhamos consciência do que podia vir a acontecer… arriscámo-nos por nossa própria conta e risco, Lenny, não te esqueças disso.
-Mas… - antes que Lenny pudesse continuar, sentiu-se envolvida pelos braços de Draco. Enterrou a cabeça no seu manto agora seco, molhando-o por completo.
-Então, aposto que não tiveram saudades nossas – disse uma voz. Levantaram ambos a cabeça de imediato e Lenny sentiu-se a sonhar. À sua frente, na pedra rochosa, estava Fred, que falara, acompanhado de George, Harry, Hermione, Ginny e Ron. Estavam todos ensopados e fatigados, cheios de cicatrizes, arranhões e cortes ensanguentados. Pareciam que iam cair para o lado a qualquer momento. E Lenny decidiu-se. Tinha que acabar com aquilo de uma vez por todas. Levantou-se e sacou da varinha, segura e presa na sua manga. Apontou-a à parede rochosa. 
-Afastem-se - avisou e depois proferiu - confringo! – a parede rebentou sob o olhar perplexo dos amigos. E Lenny soube, ao olhar em frente, que a sua jornada estava muito perto de chegar ao fim. 


*


Era uma sala estranha e maravilhosa: alta, em forma de abóbada, sem teto nem chão definido. Era apenas uma imensidão de cor, formas e luz: como as imagens num caleidoscópio, mas um caleidoscópio sempre em movimento. Ao centro, uma ampulheta encontrava-se caída no chão. Lenny pegou nela e viu uma mensagem inscrita.
“A única forma de superar o ódio é amando. A única forma de resistir é amando. A única forma de viver é amando. O amor é a magia mais poderosa. Mas por vezes nem ele supera a morte.”



Queria aquela mensagem dizer o que Lenny pensava que dizia? Quereria aquilo dizer que todos aqueles esforços - todos aqueles dias solitários nos túneis, todos aqueles confrontos com os diversos tipos de criaturas mágicas, com os seus maiores medos, com as suas tentações... - teria sido tudo em vão?
Lentamente, todos, excetuando Lenny, caíram no chão, impávidos e serenos. Lenny mal teve tempo de reagir: uma luz verde e potente veio de encontro a ela. Instintivamente, colocou a ampulheta à sua frente, os vidros estilhaçando-se, a areia escorrendo para o chão. Mas não foi só a areia que caiu no chão. As lágrimas verdadeiras e desesperadas de Lenny, mal tocaram o chão cheio de luz e cor daquela sala bizarra, fizeram a situação transformar-se. Das lágrimas reais e sinceras de Lenny formou-se uma poça no chão, como cristais de gelo sob o manto de luz e cor. Depois, uma explosão de cristais de todas as cores e feitios. A última coisa que viu foram os rostos dos pais, sorrindo para ela. Depois caiu com os cristais estrondosamente no chão, fechando os olhos, um último suspiro.