No dia seguinte, Lenny acordou cedo. Partilhava um dormitório com mais quatro raparigas Slytherin, entre elas Daphne Greengrass. No dia anterior, depois do jantar, Draco indicara-lhe o caminho até à Sala Comum dos Slytherin, que se encontrava nas masmorras. Em Hogwarts, as escadas mudavam constantemente de direção e as imagens moviam-se. Nos quadros, as personagens apareciam e desapareciam, juntavam-se a outras personagens noutros quadros, etc.
Havia um grande quadro de um homem robusto na porta que dava para a Sala Comum dos Slytherin. Draco proferiu uma palavra-passe e a porta abriu-se. Na sala, que era grande e espaçosa, predominavam os tons verdes e prateados. Havia sofás, uma lareira, mesas, jogos de xadrez, quadros, candelabros, etc. Draco entregou-lhe o uniforme feminino dos Slytherin: era composto por uma camisa branca, um pólo verde-escuro de algodão, uma capa verde-escura com o símbolo dos Slytherin cozido ao peito, uma gravata verde e branca, uma saia preta, meias pretas e sabrinas pretas. Havia ainda um cachecol verde e branco e umas botas pretas com pêlo por dentro para os dias mais frios e um chapéu azul-escuro/preto opcional.
Depois de algumas indicações básicas, como a hora de
levantar, recolher e tudo isso, retirou-se, sem se despedir.
Os dormitórios das raparigas situavam-se à direita e os dos
rapazes à esquerda. Lenny encontrou todos os seus pertences dentro do
dormitório, junto àquela que iria ser a sua cama, uma junto à janela.
Nenhuma das raparigas era especialmente amável, ao
contrário de Hermione ou Luna, mas algumas chegaram a perguntar-lhe se
precisava de alguma coisa, à exceção de Daphne, que era simpática. Apenas Pansy
se lhe dirigia como se estivesse a falar com um animal sujo e repugnante.
Lenny levantou-se e arranjou-se. Dirigiu-se ao parapeito e
cumprimentou Hedz. Abriu a gaiola e a janela, pôs uma carta no bico da coruja e
Hedz desapareceu a voar de imediato. Lenny não se preocupou: sabia que a coruja
voltaria em breve, assim que entregasse a carta à avó a dizer que chegara e que
estava tudo bem. Teve também de dizer que se encontrava nos Slytherin, mas
procurou sublinhar as qualidades que o Chapéu lhe apelidara.
Lenny pegou na mala preta a tiracolo, ajeitou a gravata e
saiu do dormitório. Alguns dos Slytherins encontravam-se na Sala Comum, outros
ainda estavam nos dormitórios e outros já haviam saído. Lenny optou por
dirigir-se ao salão de banquetes, para tomar o pequeno-almoço. Por sorte
usufruía de uma boa memória e foi fácil encontrar o caminho. À porta do salão,
avistou Harry de braço dado com uma rapariga ruiva e com sardas, bastante
parecida com Ron, e este e Hermione junto deles.
-Lenny! Olá! - disseram todos. A rapariga ruiva deu um
passo em frente.
-Acho que ainda não me apresentei. Sou a Ginny. Ginny
Weasley.
-Ah! És a namorada do Harry, certo?
Ambos coraram, mas Ginny assentiu afirmativamente com a
cabeça. Harry tentou mudar rapidamente de assunto.
-Surpreendeste-nos, ontem, hã? Slytherin! Ninguém estava à
espera! - olharam todos para o uniforme de Lenny. Ela olhou para o
deles. Era bastante parecido, excetuando as cores, que eram dourado e vermelho,
o símbolo dos Gryffindor cozido ao peito nas suas capas pretas e o facto do
uniforme masculino ter calças e não saia, claro.
-Eu também não estava à espera - comentou a rapariga.
Depois encolheu os ombros - não é assim tão mau.
-Não é assim tão mau?! - espantou-se Hermione -
merecias melhor sorte!
Lenny mordeu o lábio inferior. Como é que podia explicar a
Hermione que, na verdade, até estava satisfeita por ter ficado
nos Slytherin? Ela não ia compreender.
Dois gémeos ruivos e iguaizinhos entraram no salão com
grande estardalhaço. O sol brilhava lá fora e o céu não apresentava quaisquer
nuvens.
-Aqui está a pequena feiticeira do Mal! -
exclamaram eles, revolvendo ainda mais o cabelo de Lenny, num gesto amável.
-Ei! - protestou ela.
-Somos o Fred e o George Weasley - saudaram ambos,
ignorando a intervenção da rapariga. Depois encaminharam-se para a
mesa dos Gryffindor.
-Pequena feiticeira do Mal? Que é isso? - questionou Lenny.
-É como todos te chamam agora - informou Ron - por o Chapéu
ter dito que o teu coração e alma já tinham escolhido Slytherin há algum tempo.
De que outra forma poderias ter ido parar àqueles percevejos? Ups, desculpa!
-Não faz mal - Lenny encolheu os ombros. Também não valia a
pena tentar explicar-lhes que não era em relação ao Bem e ao Mal que ficara
dividida, mas sim em relação ao Bem e...
-Malfoy! - chamou Harry, quando o viu entrar. O primeiro já
se encaminhava para a mesa dos Slytherin, vestido com o seu uniforme
verde-escuro, mas parou, rodou sobre os calcanhares e olhou sarcasticamente
para Harry.
-Sim, Potter?
Harry deu um passo em frente.
-Espero que não te armes em estúpido este ano.
-Porquê? - Draco fez um sorriso sarcástico - estás com
medo, é?
-Não me estou a referir às nossas desavenças. Sabes muito
bem que posso com mil de ti. Estou a referir-me à Lenny. Não quero que
a aborreças, ouviste?
Draco reparou finalmente em Lenny. Esta sentiu-se corar
quando ele olhou para ela, mas fez por permanecer impassível e segura.
-Tu não és meu pai - provocou o rapaz de cabelos brancos.
-Estou a falar a sério, Malfoy.
Draco olhou diretamente para os olhos azuis de Lenny.
-Agora precisas da proteção do namoradinho, é?
-Não sejas infantil! - exclamou Harry. Lenny tinha de fazer
alguma coisa. Não podia simplesmente ficar ali a assistir.
-O Harry não é meu namorado, é da Ginny. E eu não preciso
da proteção de ninguém, mas agradeço ao Harry por estar a fazer isto - Lenny aproximou-se
de Draco. Este era uns bons centímetros mais alto que ela, mas ela fez por
olhá-lo profundamente nos olhos, demonstrando que não tinha medo. E, oh, aquilo
que ela sentia naquele momento era tudo menos medo.
Draco revirou os olhos e deu meia volta.
-Eu disse-te que ele era um idiota - avisou Hermione.
-Desculpem aquilo que ele disse sobre... nós -
pediu Lenny - mas Ginny, a sério, o Harry é apenas meu amigo...
-Eu sei, Lenny, não te preocupes. Mesmo que eu não
conhecesse o Draco, saberia que ele só o fez por estar irritado.
-Pois, ele não deve suportar mesmo o Harry.
-Não me referia apenas a isso
- sussurrou-lhe ela, ao ouvido, de modo que mais ninguém ouviu. Lenny
sentiu um frémito e virou-se para Harry.
-Obrigada, Harry. A sério.
Ele encolheu os ombros.
-De nada. Queria apenas certificar-me que ele não te
aborrecia. Apesar de ser Chefe de Equipa, continua a ser um parvo. Mas, de
qualquer maneira, não era preciso ter feito nada. Já vi que te consegues
defender.
Lenny sorriu.
-Ao menos sou da vossa turma - no dia anterior, ficara a
saber que Harry, Ron, Hermione, Luna, Neville, Seamus, Dean (dois rapazes
Gryffindor que partilhavam o dormitório com Harry, Ron e Neville), Draco,
Pansy, Daphne, Vincent Crabbe e Gregory Goyle (dois rapazes matulões que
andavam sempre de volta de Draco como se fossem os seus guarda-costas), entre
outros, eram da turma dela - qual é a nossa primeira aula?
-Defesa contra as Artes das Trevas - respondeu Hermione -
com o professor Braxton. É o novo professor de Defesa contra as Artes das
Trevas, vi-o ontem ao jantar.
-Ok. Vemo-nos lá - e Lenny dirigiu-se à mesa dos Slytherin.
*
No fim do pequeno-almoço, Lenny foi com Harry, Hermione e
Ron até à primeira aula. Lenny reparou que eram os últimos a chegar. Só quatro lugares
se encontravam vazios. Hermione, Ron e Hermione ocuparam os seus lugares do ano
passado, mas Lenny permaneceu em pé. Só havia um lugar vago, na carteira da
terceira fila na vertical e segunda na horizontal, ao lado da de Harry e Ron.
Atrás estavam sentadas Pansy Parkinson e Daphne Greengrass. Ao lado da cadeira
vazia encontrava-se Draco Malfoy.
-Como eu estava a dizer, antes destes quatro colegas
chegarem, vou ser o novo professor de Defesa contra as Artes das Trevas. Já agora,
menina, do que está à espera? – perguntou o professor, olhando para Lenny. Era
um homem dos seus quarenta anos, moreno e parecia exigente - não sei como é no
mundo Muggle, mas aqui eu não chamo para se vir apresentar à frente. Arranje um
lugar e sente-se! Quero dar a minha aula!
Lenny correu literalmente até ao único lugar vago, passando
por Daphne. Sentou-se ao pé de Draco. Harry sorriu-lhe, encorajando-a, da outra
mesa. Lenny sorriu em resposta.
-Bom - indagou Braxton - agora que parece que já não há
mais nada que me impeça de prosseguir com a minha aula, vamos ao que
interessa.
-Tiveste muita sorte - sussurrou Draco – o Braxton podia
pregar-te um sermão por teres chegado tarde logo no primeiro dia.
-Ele também não parece implicar contigo - contrapôs Lenny,
não conseguindo evitar um leve tom de irritação na voz.
-Porque sou dos Slytherin - olhou-a como se Lenny fosse
parva – o Braxton também foi, quando andou em Hogwarts. Apesar de não ser Chefe
dos Slytherin, gosta mais de nós.
-Dah!, e eu também sou - ela olhou-o da mesma forma.
Draco calou-se e exibiu uma expressão estranha, como se só
agora se tivesse apercebido daquele facto.
-Então é por isso – indagou ele.
-É, se calhar – ironizou Lenny.
-Mas melhor é o Slughorn – prosseguiu Draco - está sempre a
favorecer-nos. Os outros professores não favorecem assim tanto as suas equipas,
nem desfavorecem assim tanto as outras. A McGonagall já chegou a tirar
cinquenta pontos à sua própria equipa.
A cadeira de Draco foi empurrada um pouco para a
frente.
-Pst, Draco - murmurou Pansy - cala-te. O Braxton está a
ouvir tudo e só não diz nada porque és um Slytherin.
Calaram-se ambos. Lenny observou o professor. Não parecia
ter estado a escutar a conversa, mas se calhar era mesmo só para não prejudicar
a própria equipa. No entanto, Lenny inclinava-se mais para o facto de que Pansy
os mandara calar apenas porque não suportava ouvi-los conversar.
*
O resto da aula passou a
correr. Draco não falou mais para Lenny, nem ela para este. A aula seguinte
correu algo pior. Tiveram aulas de Encantamentos com o professor Filius
Flitwick, um homem franzino de expressão amável. Durante a aula de Braxton, não
tiveram de realizar nenhum feitiço, pois este limitara-se a dar-lhes uma aula
teórica, mas Flitwick queria que eles revissem os feitiços básicos que lhes
ensinara nos anos anteriores, entre os quais o Accio, o Wingardium
Leviosa e o Aguamenti. Todos os alunos conseguiram
realizá-los com sucesso (incluindo Neville, que não era conhecido pela sua
destreza nos feitiços e Seamus, que costumava sempre pegar fogo às coisas).
Todos menos Lenny. E isso era frustrante. Flitwick falou-lhes também de um feitiço
de nome Aresto Momentum, que servia para fazer com que as pessoas,
em queda, parassem a centímetros do chão, atenuando assim a dor da queda.
No final da aula, Lenny
dirigiu-se ao salão dos banquetes para almoçar. Todos falavam no jogo inaugural
de Quidditch daquele ano, que se realizaria naquela mesma tarde, entre
Gryffindor e Slytherin, as equipas que disputaram a final do ano passado, tendo
sido os primeiros a saírem vitoriosos.
-Ela nem conseguiu fazer o
Wingardium Leviosa – Lenny ouviu Pansy comentar na mesa dos Slytherin, à hora
de almoço.
-Ela há-de lá chegar. Espero
– disse Draco.
No entanto, Lenny não tinha
tanta certeza. E não estava mesmo com paciência para aturar as bocas de Pansy.
Por isso, deu meia volta e saiu discretamente do salão de banquetes.
*
Não haveria aulas de tarde por causa do jogo de Quidditch, mas enquanto toda a gente parecia estar extremamente entusiasmada, a Lenny não lhe apetecia lá muito ir. No entanto, a curiosidade de ver um jogo de Quidditch a sério falava mais forte. O pai tinha sido um dos melhores chasers que Gryffindor alguma vez tivera e Lenny queria ver Harry e Draco como seekers de Gryffindor e Slytherin, respetivamente. Por isso, arrastou-se com os outros até ao campo de Quidditch, um pouco afastado de Hogwarts. As bancadas do campo iam-se enchendo de alunos e professores que vinham assistir ao jogo: Hogwarts em peso encontrava-se ali. Os torreões que rodeavam o campo tinham as cores das duas equipas.

Lenny avistou Ron, Hermione, Ginny e outros Gryffindor numa das bancadas e foi ter com eles, sendo a única Slytherin naquele lado, recebendo algumas reclamações por causa disso.
-Ainda bem que vieste! É o teu primeiro jogo, não é? – questionou Hermione.
-É. Mas sou vossa rival, agora – sorriu Lenny.
-Então, que ganhe o melhor! – gracejou Ron, enquanto a professora de voo do primeiro ano e treinadora de Quidditch, Rolanda Hooch, dava início ao jogo. Lenny sabia as regras e as posições dos jogadores, pelo que optou por desfrutar do jogo em vez de se sentir culpada por não conseguir realizar feitiços. Lá em cima, no campo, Lenny pôde ver Harry e Draco cada um sentado em cima das suas vassouras a observarem-se mutuamente. Depois, partiram ambos em busca da Snitch. Durante algum tempo, o jogo decorreu sem problemas: Gryffindor ganhava por apenas dez pontos. Mas, de repente, Draco aproximou-se de Harry e empurrou-o, já que este tentava alcançar a Snitch. Harry ripostou e deu-lhe um empurrão com força. Draco estava todo inclinado para a frente a tentar agarrar a Snitch e perdeu o equilíbrio. Tentou agarrar-se à vassoura, mas o cabo desta fugiu-lhe e Draco começou a cair a pique até ao relvado. Murmúrios de perplexidade percorreram a multidão. Vendo que ninguém reagia, Lenny soube exatamente o que fazer. Como se tivesse nascido ensinada, mas a verdade é que sentia apenas necessidade de proteger Draco.
Então, num movimento vigoroso, firme e rápido, sacou a varinha da capa e gritou, mesmo quando Draco se preparava para cair violentamente no chão:
-Aresto Momentum! – Draco ficou a pairar a poucos centímetros do relvado e depois caiu no chão, sem estrondo.
-Quem o fez? – ouviram-se várias vozes perguntar, enquanto murmúrios de espanto atravessavam as bocas da multidão.
-Foi a novata, a novata!
-A filha dos Gant!
-Lenny Gant!
Lenny sentia-se nas nuvens. Tinha acabado de realizar o seu primeiro feitiço.
-Boa, Lenny! – exclamaram Ron e Hermione, dando-lhe palmadinhas nas costas. Lenny sentia-se felicíssima: não só concretizara com sucesso um feitiço de que Flitwick lhes falara nas aulas, como também salvara Draco. O apito de Madame Hooch soou e a sua voz estridente fez-se ouvir por entre as exclamações de admiração:
-Jogo interrompido! Por motivos maiores, o jogo foi cancelado! Alguém que assista a Draco Malfoy, por favor!
No campo, Draco levantou-se. Tinha uma expressão atordoada na cara. Os restantes jogadores desceram das suas vassouras e pousaram no relvado. Os de Slytherin apressaram-se a ajudá-lo e a perguntar-lhe se precisava de ir à enfermaria, mas Draco recusou. Varreu as bancadas com o olhar à procura de Lenny, mas esta tinha desaparecido por debaixo dos festejos dos Slytherin que a congratulavam.

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