Depois de uma longa viagem, o Expresso de Hogwarts chegou finalmente à
estação de Hogsmeade e daí os alunos partiram para o castelo nas carruagens dos
Thestrals. Lenny e Draco tinham acordado que seria melhor fazerem a discussão
em público dali a alguns dias, quando os ânimos do fim das férias e da entrada
no terceiro e último período de aulas acalmasse. Até lá chegar, Lenny e Draco
não se poderiam encontrar, para dar credibilidade à história da discussão.
Fred tentara falar com Lenny, mas esta esquivara-se sempre. Os outros
tentavam perceber o que se passava na cabeça da amiga, mas esta dizia-lhes
apenas que precisava de tempo. A verdade é que não gostava de mentir aos
amigos, e por isso também os evitava.
Por fim o dia da discussão chegou, quinta-feira, dia 24 de Abril. Lenny
sentou-se à mesa dos Slytherin, à hora de jantar, no Salão Nobre. Draco ainda
não estava lá. Ambos sabiam que aquilo que iriam dizer um ao outro para tornar
a história da discussão mais credível não era mesmo aquilo que sentiam.
Draco chegou no momento em que os pratos apareceram à mesa. Lenny respirou
fundo. Tinha o coração a bater-lhe com força no peito e estava nervosa.
Detestava chamar as atenções, mas ainda era pior ter que discutir com Draco. O acordo era começar a discussão na mesa dos
Slytherin por entre sussurros e depois aumentar o tom de voz, para que toda a
escola ficasse a saber. Assim evitavam-se os rumores, uma vez que todos viam
com os próprios olhos.
-... e claro que a menina-do-papá ia preferir os pais a um ex-Devorador da
Morte! – exclamou Draco. Os Slytherin em redor deles começaram a olhar ao ouvir
os sussurros deles. Pansy ficou de ouvidos à escuta.
-Não estás a ser racional, Draco! Isto nunca ia resultar! – custava a Lenny
dizer isto. Era assim que os pais dela pensavam. Tinha sido assim que os seus
amigos Gryffindor tinham pensado. Toda a gente pensava assim. Ela e Draco eram
os únicos a lutar contra isso.
-Porque nem sequer deste uma oportunidade! – redarguiu Draco.
-Agora a culpa é minha? – Lenny levantou o tom.
-Malta… - advertiu Daphne, olhando preocupadamente para os dois. Notara que
ultimamente o ambiente entre os dois estava frágil, e agora estavam a discutir.
Os Ravenclaw, que se sentavam na mesa mais próxima da dos Slytherin, começavam
a olhar e a sussurrar entre si.
-Porque é que fazes isto? Como é que podes dizer que não ia resultar? –
Draco levantou-se. O Salão Nobre ficou mudo. Todos os olhares estavam postos
neles. Lenny levantou-se também.
-Porque não ia! Tu e eu… nós não temos nada em comum! – a rapariga engoliu
em seco. Doía-lhe o coração proferir tais palavras, quanto mais com o Salão
Nobre inteiro a ouvir.
-Depois de tudo o que passámos! – Draco disse, com a voz exasperada.
-Não percebes? É tóxico! Nós não fazemos bem um ao outro!
-Mas tu fazes-me bem!
-Mas tu não! - gritou Lenny. Draco desviou o olhar. Parecia verdadeiramente
magoado. Se calhar pensava que Lenny estava a dizer a verdade, mas não estava.
-Tudo bem! Volta então para a tua família perfeita, para a tua vida
perfeita, porque claramente, nós não pertencemos juntos! Talvez sejas tu que
não me faz bem a mim! Porque és
perfeita e só pensas em ti e no que é melhor para ti e nem sequer te importas
com a felicidade dos out…
Draco não acabou a frase. Um “ohh” coletivo ouviu-se por todo o Salão.
Lenny pegara na jarra do sumo e lançara-a sobre Draco, que ficara molhado da
cabeça aos pés.
-Como queiras! Acabou! – finalizou Lenny. Mas no momento seguinte levou
também ela com sumo em cima. Draco e Lenny olharam um para o outro. Nenhum deles
conseguia perceber se a discussão fora longe de mais e ultrapassara a barreira
da “discussão falsa”. Lenny não esperou e pegou num prato com bolachas,
lançando-a para Draco.
Por ali algures, alguém gritou “Guerra de comida!”
E a confusão rebentou.
*
-Sinceramente, nunca esperei isto vindo de vocês! – a professora McGonagall
olhava para Lenny e Draco severamente, os três sentados no gabinete da diretora
de Hogwarts – Lenny Gant, filha de tão exemplares feiticeiros, e que tanto se
esforçou por os trazer de volta, e Draco Malfoy, um dos chefes de equipa dos Slytherin!
Onde é que isto já se viu!
Lenny não conseguia levantar os olhos do chão. Draco engolia em seco.
Rebentara a confusão no Salão Nobre, com peças de comida, pratos, jarras, tudo
por todo o lado. O que começara no que parecia ser uma séria discussão entre o
“casal maravilha e improvável” de Hogwarts, acabara por se tornar num pretexto
de diversão entre os outros alunos. As gargalhadas e os gritos tinham enchido o
Salão. Comida trespassava os fantasmas e os professores olhavam atarantados
para aquela peculiar cena que se desenrolava em frente aos seus olhos. Alguém
apelidara já aquela guerra como “a maior guerra de comida que Hogwarts jamais
presenciara.”
O Salão Nobre estava uma confusão. Fora a diretora McGonagall que pusera
fim na confusão, berrando através do feitiço ampliador e fazendo a comida parar
de voar. Os alunos tinham sido levados para as suas Salas Comuns pelos seus
chefes de Equipa, todos menos Lenny e Draco, que como causadores da guerra
tinham sido de imediato levados ao gabinete da diretora, molhados e sujos.
-Não têm nada a dizer? – perguntou a professora. Nenhum dos dois falou –
muito bem. Em primeiro lugar, serão retirados cinquenta pontos à equipa dos
Slytherin.
As cabeças de Draco e Lenny levantaram-se abruptamente, fixando a chefe dos
Gryffindor, estupefactos. Os Slytherin iam matá-los!
-Cada um. O que, como sabem, perfaz um total de cem pontos retirados à
vossa equipa.
-Mas estamos quase no final do ano! - resmungou Draco. Não que aquilo
importasse muito a Lenny ou Draco, mas sabiam que os Slytherin não iam gostar
nada daquilo.
-Tivessem pensado nisso antes. Para além disso, terão um mês de castigo.
-O quê? – exaltou-se Lenny – um mês?
-Todos os dias, após as aulas. E não me venham com a conversa de terem de
estudar para os vossos. EFBE’s. Podem começar por limpar o Salão Nobre. Como
devem imaginar, o uso de magia é estritamente proibido.
Draco e Lenny iam para replicar, mas McGonagall interrompeu-os:
-Além disso, vou notificar os vossos pais por coruja. Eles verão se querem
ou não vir visitá-los para lhes aplicar um castigo. Espero que isto vos sirva
de emenda. Podem ir para o Salão Nobre. Ah, e, Malfoy, dá-te por satisfeitos por não te retirar do cargo de chefe de equipa. Só o faço porque o professor Braxton me pediu. Até agora nunca tinha havido nada que não indicasse que eras um bom chefe, e como já estamos quase no fim do ano não vale a pena substituir-te.
Lenny e Draco suspiraram, saindo do gabinete da diretora. Exasperados,
encaminharam-se para o Salão, sem se atreverem a trocar palavras. Quando
entraram, perceberam a imensidão dos estragos. Comida espalhada por todo o lado,
todo o tipo de louça partida, coisas pegajosas a escorregarem pelas paredes,
havia até uma perna de mesa partida, a dos Gryffindor.
-Talvez isto não tenha sido assim tão boa ideia – murmurou Draco, depois de
ativar o feitiço Muffliato em volta deles, só por segurança. Ele e Lenny
entreolharam-se e mesmo sem querer, sorriram.
-Nah… agora toda a gente pensa que estamos separados, e além disso, mesmo
sem ter sido combinado, começámos a maior guerra de comida de Hogwarts de
sempre! – exclamou Lenny.
-Tens razão. Vamos ser lendas, e as gerações futuras vão lembrar-se de nós.
Se calhar até mesmo os nossos filh…
Draco calou-se. Lenny não sabia o que responder.
-Tu sabes que eu não quis dizer nada do que te disse – sussurrrou Lenny, quebrando o silêncio.
-Eu sei. E eu também não. Mas resultou. É o que importa.
-Não estás com medo do que os teus pais possam pensar?
-Estás a brincar? O meu pai vai adorar ver que discutimos! – declarou Draco.
-Tens razão. O meu também.
-A sério, Lenny, espetares-me com o sumo na cara?
Lenny soltou uma gargalhada.
-Tu também não perdeste tempo! – ripostou ela.
-Lá nisso tens razão. Mas nem tudo é pera doce. Vamos ter de nos esforçar
para conciliar os exames com os castigos, para além de termos de fazer alguma
coisa quanto a recuperar os cem pontos perdidos, senão os Slytherin matam-nos.
Lenny suspirou.
-Vai ser um longo mês.
-Como é que é suposto limpar isto tudo sem magia? – grunhiu Draco.
Lenny sorriu levemente.
-Suponho que vamos ter que o fazer à boa e velha maneira muggle.